A caverna de gelo

Era um mar sem fim.
A canoa era uma casquinha de madeira atrás de outras casquinhas de madeira, onde homens como eles estavam sentados, dois em cada uma, remando, abrindo caminhos de espuma nas ondas escuras e geladas. O sol brilhava, porque ainda era Dia, e ainda fazia calor. No verão nunca anoitecia por ali. Era tempo de buscar comida. O mundo era vasto.

Sim, senhor, eram eles e o mar sem fim.

— Vocês estão indo muito depressa, meninos. Mais devagar, eu estou olhando as focas.

Pelume suspirou e descansou o remo pesado nas laterais da canoa. Ora, era sempre assim: quando Os do Fogo saíam para pescar algo grande, se ele quisesse ir junto, lhe cabia ocupar a última canoa. E a última canoa sempre era a do Homem Mais Que Velho, que nunca tinha pressa e nunca se distanciava muito da Caverna Mais Alta do Mundo, onde eles moravam naquela parte do ano em que o Sol mergulhava no mar e demorava para aparecer. A Noite — o Inverno —, era um tempo de escuridão e de frio, que sempre parecia longo demais para os moradores da pequena ilha de margens rochosas e bosques escondidos nos vales.

Mas agora era Dia, o sol brilhava, e Os do Fogo partiam em direções distintas do mar azul. Já a canoa de Pelume ficava ali, quase à deriva, balançando e mal avançando, enquanto o Homem Mais Que Velho mastigava saliva, resmungava e não caçava nada. No máximo, ficava ouvindo o chamado dos pássaros, o latido das focas e às vezes ria como se os animais tivessem lhe contado uma piada muito boa. Pelume até que prestava atenção, mas se aquilo era uma conversa, ele não entendia nada. Se aborrecia. Jogava na água a linha que sua mãe tecera com seus próprios cabelos, na ponta da qual havia um anzol que ele mesmo tinha recortado de um osso de pinguim, que Raio Branco lhe dera de presente. Sempre havia um peixe que se deixava pescar, porém o que Pelume queria mesmo era ir com os demais e procurar caça grande. Talvez conseguisse trazer uma foca leopardo. Quem sabe, até, uma orca? Ou uma baleia! Sim, conseguir uma baleia daria suprimento de carne e gordura para todo mundo por muito tempo. Nem precisava ser uma baleia adulta. Podia ser um filhote — afinal, ele mesmo não era grande. Era só um dos menores meninos da tribo e já era um acontecimento que lhe deixassem participar das caçadas — mas só porque ele concordava em ir no último barco do grupo, que sempre era o barco do Homem Mais do Que Velho e…

— Pelume? Pelume! Vamos, eu disse, vamos remar na direção da Ponta Cinzenta!

O pequeno piscou de novo. Opa! Aquilo era uma novidade! Se bem que era possível chegar à Ponta Cinzenta caminhando. Não era longe. Nem era preciso levar um cantil.

— O que vamos ver na Ponta Cinzenta? — perguntou o outro menino na canoa.

Certo. Daquela vez os adultos tinham concordado que Pinguim Azul podia ir também. O que era um problema. Pinguim Azul mal sabia remar e era tão pequeno e leve que qualquer brisa o sopraria embora, se quisesse. Mas ele sempre insistia tanto em ir junto que daquela vez ninguém tinha sido capaz de recusar.

Então eles deixaram que fosse, desde que concordasse em ir no mesmo barco de Pelume. O último a sair da praia. Aquele em que ia o Homem Mais do Que Velho e que ficava, sempre, perto da margem.

Por isso, a ordem de ir até a Ponta Cinzenta era quase uma aventura.

— De certo veremos focas, um bando de pinguins e muitas gaivotas. Nada de mais — disse Pelume entredentes, gemendo com o esforço que fazia para empurrar a canoa na direção certa. Precisavam vencer uma corrente de retorno para entrar naquela que circulava a ilha e facilitava o deslocamento. Mais perto da praia, portanto… enfim, fazer o quê? Só ter o vento no rosto e sentir o mar empurrando o barco já era uma diversão. Não demorou, o menino estava suando. O Homem Mais do Que Velho, na proa, mantinha os olhos no mar, a capa de pele de guanaco em que se abrigava escorregando de seus ombros magros. Pinguim Azul tentava e errava quase todas as remadas.

— Diga-me, Pelume, meu pequeno espertinho, o que não havia aqui há dez sonos, quando viemos pela terra colher mexilhões com a sua mãe? — indagou o velho, apontando adiante. O garoto sentiu a ironia e prestou atenção: o homem apontava para um rochedo cheio de algas, que de vez em quando era lavado por uma onda. Os caranguejos corriam pela pedra. Sol quente e água fria. O que havia mudado? Pelume olhou ao redor e se esforçou. Distinguiu vários galhos boiando e uma série de pequenos icebergs.

— Hum… paus e gelo?

— Humpf! “Paus e gelo”, diz ele — resmungou o velho. — Vamos para a Ponta Cinzenta.

A Ponta Cinzenta era um rochedo de granito alto que se erguia à pique sobre uma enseada de areia. Pelume não tinha permissão da tribo para ir além — “você ainda é muito pequeno”, eles diziam — porém certa vez Árvore Quebrada, um dos maiores e mais fortes do seu grupo, o tinha levado em uma excursão secreta em busca de mexilhões e, por isso, Pelume sabia o que havia do outro lado. E por isso tremeu quando o Homem Mais Que Velho olhou para o rochedo e fez um gesto indicando que ele o contornasse e seguisse remando.

— Mas… — fez Pelume — Raio Branco não vai gostar disso.

Homem Mais Que Velho olhou Pelume por um instante, depois riu, coisa que sempre fazia a garotada rir junto. Primeiro, porque sua risada era engraçada, e depois porque ele não tinha nenhum dente na boca e as crianças achavam aquilo muito divertido.

— Deixe que eu me entendo com ele — ele disse. Pelume deu de ombros e continuou a lutar com o remo pesado e com a corrente marítima.

Aos poucos a canoa deu a volta na rocha e entrou em um canal largo. As montanhas, cinzentas, com as vertentes escuras cobertas de arbustos baixos, erguiam-se, imensas, de ambos lados. O alto delas era coberto de neve, e mesmo com o sol que iluminava o céu, Pelume sentiu a pele se eriçar quando a brisa fria deslizou pelos paredões e tocou-lhe os braços suados e nus. A gente d’Os do Fogo usava poucas roupas para quem vive em um lugar tão frio. Em geral, se abrigavam com algumas peles extraídas dos guanacos que caçavam e pouco ou nada mais do que isso. Homem Mais Que Velho fez um gesto para os dois garotos e eles ergueram os remos, em silêncio. No meio do canal, uma correnteza arrastava galhos e pedaços de gelo para o alto mar. O barco, no entanto, continuou entrando pelo fiorde, arrastado pela maré, muito mais fraca do que era habitual, e que empurrava tudo para as margens, onde as paredes de pedra se deixavam lamber por ondas baixas e espumosas.

Amplificado pela água e pelas rochas ao redor deles, um chiado constante se transformava rapidamente em um rosnado baixo. No alto, as aves voavam e grasnavam, defendendo seu território dos vizinhos e inimigos. Lá embaixo, a sombra fria era cada vez mais ressonante. De vez em quando, Pelume precisava corrigir o curso da canoa e afastá-la dos rochedos. A embarcação aproximou-se de uma curva no canal e começou a contorná-la.

Adiante ficava o fundo do fiorde. Pinguim Azul olhou em silêncio e Pelume respirou fundo: no fim do canal havia uma parede de gelo azul. Era uma coisa enorme e compacta, que ia de um lado a outro do fiorde, espalhando-se sobre boa parte de um vale estreito que se abria à direita deles. Parecia ser muito, muito dura, e muito, muito pesada. Ela estalava e gemia como uma criatura viva, mas, de fato, não era ela que rugia.

O que rugia era uma cachoeira que se formara junto à margem esquerda do glaciar, uma torrente negra de lama e gelo que se atirava no espaço com um chiado e se acabava em um estrondo ao pé da parede, espalhando espuma grossa, e jogando ondas de lama sobre a praia de cascalhos à direita, onde se erguia um pequeno bosque. Na praia havia vários pedaços de galhos de diferentes tamanhos e formatos, que tinham ido parar ali, empurrados pela água. Alguns, mais acima, pareciam secos. Pelume pensou que, se precisassem passar a noite ali, não faltaria madeira para a fogueira, o que era uma ideia alentadora.

— Será que Háchai está por aqui? — sussurrou Pinguim Azul, tremendo de medo. Ele tinha muito receio daquele que, diziam, habitava os paredões de pedras negras.

— Não se preocupe com ele, Pinguim Azul — disse o Homem Mais Que Velho — temos outras coisas em que pensar.

Continuaram a se aproximar da parede de gelo, sem pressa. Pelume olhava para ela de boca aberta.

— Que coisa linda… — disse baixinho. Mas não era isso o que queria dizer. Balançou a cabeça. — Que grande… — experimentou. Ainda não era isso e ele balançou a cabeça de novo, com mais força. O Homem Mais Que Velho sorriu.

— Você quer dizer “majestoso”, menino.

— “Majestoso”?

— É.

— E o que é “majestoso”? — intrometeu-se Pinguim Azul. O Homem Mais Que Velho segurou o ombro do pequeno e aproximou sua boca desdentada do ouvido dele.

— Olhe para ela, para essa enorme parede de gelo, Pinguim Azul. Ela tem todas as cores do céu e das tempestades, entrelaçadas. É linda demais, grande demais. Você jamais compreenderá o quanto de linda e grande ela é, mas isso não importa porque o seu coração já é dela, inteirinho. Está sentindo? Isso é majestade.

Pinguim Azul piscou os olhinhos negros.

— Hum… não sei — duvidou. — Só sinto frio.

Pelume não disse nada. Apenas ficou em silêncio, movendo a cabeça como se dissesse “sim, é isso mesmo”.

Por fim, o Homem Mais Que Velho apontou para a parede por onde a cachoeira negra desabava.

— Vamos chegar mais perto.

Preocupado, Pelume se virou para ele e pensou em dizer que era difícil e perigoso, porém o Homem Mais Que Velho tirou o remo das mãos de Pinguim Azul e começou a remar. O garoto percebeu que o adulto falava sério. Com um suspiro, começou a seguir o ritmo das remadas dele.

— Vejam só aquilo ali — resmungou o homem, pensativo. — Uma rachadura! Temos que avisar Os do Fogo. A geleira está se movendo. Ninguém deverá vir para essa área até o final do Dia. Teremos de ir pescar do outro lado da ilha nesta temporada.

— Não vir para este lado? — indagou Pinguim Azul com a vozinha estridente. O Homem Mais Que Velho olhou para o menino com apreensão. — Mas é deste lado que os peixes gordos se escondem…

— Chhh — fez o velhote. Pelume estremeceu com a preocupação dele. Olhou para o alto dos penhascos branco-azulados e viu algo se mover. Algo que não estava ali um instante antes, agora se debruçava sobre o vazio, atraído pela voz do pequeno. O vento soprou de algum lugar. Pelume sentiu seu coração dar um salto de medo.

Pinguim Azul continuava a falar com a sua vozinha fina e irritante:

— É o que Caniço Longo sempre diz: “os peixes gordos estão daquele lado, Pinguim Azul…”

A figura no alto do glaciar desapareceu num movimento sinuoso e rastejante. O velho tremeu de novo. Começou a dar a volta na canoa, sem se preocupar em calar o pequeno. Pelume, ao se dar conta do que ele fazia, começou a remar também. De repente, a parede inteira parecia se debruçar sobre a canoa para ouvir o pequeno.

— “… a gente não deve desperdiçar os peixes gordos, jamais!” — continuou ele, numa argumentação zangada e aguda.

Um estalo ecoou pelo fiorde, na esteira das palavras dele.

— Reme, Pelume! — Ordenou o velho. — Não olhe para trás.

Quase ao mesmo tempo, o menino menor voltou-se e olhou sobre o ombro. Um grito alto escapou de sua garganta.

A geleira estalou ainda mais alto. Pelume não aguentou e espiou por cima do ombro também.

Aterrorizados, os dois viram uma enorme rachadura desenhando uma lasca de gelo, a ponta da lança de um gigante. Ao redor dela, vários pedaços menores desabavam, pesados, explodindo na água. A lasca maior era uma parte da rachadura da cachoeira que cedia, pressionada pela torrente de lama negra e estremecida pela voz estridente de Pinguim Azul.

— Pare de falar, Pinguim Azul, ou estaremos perdidos — disse o velho em voz baixa, remando com toda a força. Ninguém diria que o Homem Mais Que Velho ainda tinha tanta energia nos braços enrugados, mas Pelume não parou para pensar naquilo. Voltou-se para frente e imitou o homem. Seus braços doeram com o esforço, porém, juntos, menino e velho conseguiram colocar mais um pouco de distância entre eles e o fundo do fiorde.

Então o gelo estalou pela terceira vez, e desabou, engolfando o mundo em um som potente que precedia o desastre. Pinguim Azul segurou-se nas bordas de madeira, e bem a tempo, porque a canoa deu um pinote, saltando sobre a massa de água e lama que se levantou atrás deles. Alguns fragmentos menores passaram zunindo, espirrados do paredão, sólidos o bastante para destroçar a canoa, mas os três tiveram sorte e nenhum os atingiu.

— Não pare de remar! — Gritou o velho, ou Pelume pensou que o ouvia, enquanto Pinguim Azul gritava aterrorizado, olhando para a vaga que se aproximava rugindo. A água e o gelo os alcançaram e os engoliram e por longos momentos, tudo foi o caos. O caos gelado do princípio e do fim de todas as coisas.


O mundo era a escuridão e tinha gosto de sal.

Pelume inspirou e fez um esforço tremendo para abrir os olhos. A primeira coisa que viu foi uma pedra do tamanho de um ovo de gaivota, bem diante de seu nariz. Seus ombros doíam, seus braços doíam e suas costas doíam ainda mais. Havia um galho debaixo dele, espetando suas costelas. O menino gemeu e se mexeu devagar, e, por fim, sentou. Tinha pequenos cortes e hematomas por todo o corpo, mas nada sério. O ar era frio, muito, muito frio, e muito, muito silencioso, como se não houvesse mais vento algum — nem vento, nem mar, nem horizonte.

Por um longo momento, Pelume ficou ali, olhando ao redor, sem entender onde tinha ido parar. O mundo, afinal de contas, não era escuridão salgada, mas uma luz difusa, acinzentada, quase uma não-luz, que não era trevas porque enxergava adiante — pouco mais do que sombras. Olhou para cima: o céu tinha se transformado em um teto baixo, como se as nuvens tivessem se condensado sobre ele, um conjunto de curvas lilases e azul-escuras, alguns picos afiados apontando para baixo como facas. Ao redor havia blocos enormes e quebrados. Ali adiante, Pelume viu um tronco de árvore partido como se não fosse nada e, mais adiante ainda, várias árvores, a maioria só troncos, as copas ceifadas.

Compreendeu: a avalanche da geleira havia atingido o barco e os jogado na praia de seixos que tinham visto ao chegar, avançado sobre a terra e o bosque. Pelume tinha caído junto a um bloco gelado e por pouco não tinha sido esmagado por ele. Não havia nem sinal de Pinguim Azul ou do Homem Mais Que Velho, o que dirá do seu barco. Estar vivo era um autêntico milagre.

Contudo… se estava sozinho, por que tinha essa impressão de estar sendo observado?

Olhou ao redor uma, duas vezes. Puxou o galho sobre o qual estivera deitado, uma forquilha lisa com um cabo comprido, o tipo de galho que ele usaria como caniço ou um remo para águas rasas. A forquilha tinha deixado um vergão vermelho na lateral de seu corpo.

A sensação não passava. Alguém o observava. Quem? Onde? Seu coração batia junto à garganta e ele olhou ao redor outra vez, suas mãos pequenas apertando o galho com força, para usá-lo, caso fosse necessário.

Ali!

Por outro longo momento, Pelume não se moveu. Não entendia bem o que via. Era onde o gelo fazia uma sombra tão profunda que parecia noite, sob o teto escuro de pingentes que refulgiam delicados como estrelas. Embaixo deles, havia algo que no início o menino tinha confundido com uma pedra, ou, talvez, uma sombra esquisita ou, ainda, um bloco de gelo cheio de lama e detritos. Mas agora via que não era nada disso: a pedra, ou sombra, ou gelo, era, na verdade uma espécie de criatura, sentada, encolhida debaixo de um monte de pelo branco, longo e sujo. Suas patas dianteiras, muito esticadas, eram finas e estranhas, cobertas por pelo marrom-avermelhado ralo e terminavam em garras sujas. A cabeça era grande e oval, e abaixo do focinho enorme e bulboso se podia adivinhar o brilho de dentes afiados. A cara era inexpressiva, atravessada de alto a baixo por um friso fino de pelo azul. Por alguma razão, Pelume lembrou-se da coisa que vira no alto da geleira e estremeceu. Contudo, como era bem educado, colocou o polegar direito no nariz e balançou os dedos restantes diante do rosto, em uma saudação, como tinha aprendido com a sua gente.

— Olá — disse baixinho.

A criatura no fundo das sombras não fez nada. Talvez tivesse apertados os olhinhos miúdos, nada mais.

Devagar, para não assustar o estranho companheiro, que devia estar tão assustado quanto ele mesmo, Pelume levantou-se. A criatura observou seus movimentos. O menino olhou ao redor, em busca de uma pista sobre o paradeiro de Pinguim Azul e do Homem Mais Que Velho, mas o que viu foi o bosque tomado de gelo. Junto às raízes de uma árvore, havia uma lebre atravessada por um galho. Os olhos mortos do animal estavam fixos nele e Pelume estremeceu. Seu coração voltou a martelar com força, e saber que a criatura desconhecida o encarava não era nada confortável.

Desviando o olhar da lebre, ele gritou pelo Homem Mais Que Velho.

O gelo engoliu o som. Uma gota de água pingou.

O teto, sobre ele, grunhiu e estremeceu, derrubando caquinhos gelados sobre a sua cabeça.

Pelume não pensou duas vezes. Correu para a proteção das árvores ceifadas, um pouco antes de um bloco maciço desabar sobre as sombras e os seixos onde tinha despertado, com um estrondo.

Que foi imediatamente engolido pelas paredes ao seu redor.

— Certo — o menino sussurrou, segurando o galho fino que trouxera consigo e sentindo o corpo inteiro tremer. A criatura que tinha visto, desaparecera, de certo enterrada pelo desmoronamento. Era um jeito horrível de morrer, ele pensou. — Nada de gritos.

Precisava sair dali. O frio e o medo eram dois aliados poderosos, capazes de matar muito rápido, e uma geleira instável é um labirinto faminto e vivo.

Pelume olhou ao redor, em busca de uma direção para onde seguir. As paredes continuavam a estalar e rosnar. Achou que ouvia um eco e se abaixou para espiar de longe. Sim, ali havia uma espécie de túnel que começava nas árvores e, mais além, pulsava numa luz clara e forte. “Deve ser a saída”, ele disse para si mesmo e respirou fundo. O caminho não inspirava a menor confiança. Ele largou o galho fino e se apoiou nos joelhos.

Já ia avançando, quando vislumbrou um movimento do outro lado da passagem. Será que alguma outra daquelas criaturas estranhas tinha conseguido chegar ali? A ideia o deixou arrepiado. Olhou sobre o ombro, mas tinha certeza de que a criatura de antes estava soterrada. Por via das dúvidas, voltou a pegar o galho, sentindo-se um pouco mais confiante.

Avançou agachado, tomando cuidado para não encostar no gelo negro das laterais que pingava lama com um eco pegajoso. Seus passos amassavam os seixos e sua respiração formava pequenas nuvens diante de seus olhos.

A passagem acabou antes do esperado. Do outro lado havia um salão enorme e negro, que ia se tornando azul na direção de uma claridade promissora, ao fundo. O bosque estava quase intacto ali, uma pequena floresta aprisionada numa redoma sombria. Pelume andou alguns passos e então parou ouvindo com toda a atenção que era possível.

O gelo… o gelo grunhia. Em algum lugar, distante, alguma coisa acontecia. Ele não podia imaginar o que era, por mais que se esforçasse, e se encolheu aterrorizado quando o chão tremeu e as folhas das árvores farfalharam. Depois, tudo ficou quieto de novo. O menino levantou-se devagar, os olhos presos no clarão à sua frente. Andou alguns passos, usando o galho para tatear o caminho à frente.

Foi quando viu, de novo, um movimento. À sua esquerda, claro e fugaz, como uma raposa cinzenta, porém grande demais para ser uma. Pelume voltou-se naquela direção, mas não havia mais nada. Foi completando a volta, espremendo os olhos para ver qualquer coisa além de troncos e galhos tortos. Não viu nada até chegar ao final do giro.

Alguma coisa tentava se ocultar nas raízes de uma árvore.

Pinguim Azul.

Inspirou para chamar o amigo, mas lembrou-se a tempo do que tinha acontecido na caverna anterior. Estremeceu e soprou o ar devagarinho, vencendo o espaço que o separava do pequeno em alguns passos. Quando chegou ao alcance de um sussurro, sorriu. Pinguim Azul tinha se encolhido contra o tronco, escondendo o rosto. Pelume abaixou-se e tocou de leve o seu ombro.

O pequeno soltou um grito atormentado e abafado, e mesmo com o som quase oculto pela madeira, Pelume estremeceu. Um piado distante e triste respondeu e se calou. Além dele, apenas as gotas ecoantes, em algum lugar.

— Pinguim Azul? Por favor, não se assuste. Sou eu, Pelume. Você está bem?

O pequeno se voltou devagar. Nas sombras, só dava para perceber seus olhos apavorados.

— Pelume? É você? Tem certeza? Como é seu nome de verdade?

Pelume sorriu. Todos Os do Fogo tinham dois nomes: um que recebiam da mãe, e outro que a tribo inteira usava. “Pelume” era o segundo nome do menino.

— Meu nome é Duas Pernas — ele disse — e o seu é, na verdade, Quitute de Orca. Mas não vamos contar isso a ninguém, não é?

Em resposta, Pinguim Azul virou-se e se pendurou no pescoço do amigo, chorando baixinho.

— Eu… eu achei que todo mundo tinha morrido… quando ele chegou perto, achei que ia morrer também… mas aí… aí, não sei… ele foi embora.

Pelume estremeceu. Sabia a resposta, quando perguntou. E mesmo assim, quando ela chegou, não era bem o que esperava ouvir:

Ele, quem, Pinguim Azul?

Ele — disse o garotinho num sussurro ainda mais apavorado. Uma gota ecoou. Pelume olhou sobre o ombro.

Ele, fosse quem fosse, estava sentado ali, peludo, sem expressão alguma. De alguma maneira, olhando para os olhos pequenos e maldosos, o friso azul e o focinho bulboso, Pelume soube que aquele não era outro animal, igual ao primeiro que vira, mas a mesma criatura que ele achava estar debaixo do desabamento que tinha deixado para trás.

“Como ele conseguiu sair de lá?!” pensou o menino, confuso e assustado. Virou-se devagar, segurando o galho seco nos dedos trêmulos. Murmurou:

— Está bem, Pinguim Azul, está tudo bem. Ele é só um bicho que a gente não conhece, um bicho que a avalanche pegou, igual a nós. Levante-se devagar e vamos andando na direção da passagem iluminada. Aposto que ele nos seguirá e ficará tão feliz em sair daqui, quanto nós.

Quando o menino terminou de falar, o bicho virou a cabeça, como se tentasse entendê-lo. E arreganhou os beiços, como se achasse engraçado o que ele tinha dito. Muito engraçado.

De repente, a criatura ergueu-se nas patas traseiras. Era duas vezes mais alto do que Pelume, um corpo disforme por baixo do pelo sujo e longo, que cheirava a sal e montanhas altas. Sua bocarra se arreganhou, expondo fileiras irregulares de dentes de gelo agudos. O menino agarrou Pinguim Azul pelo braço e o empurrou com força para fora de seu esconderijo.

— Corre!

A criatura fechou as mandíbulas com força e um estalo alto ecoou no espaço. Pelume olhou para cima e viu uma série de estalactites translúcidas oscilando, afiadas, na sua direção. O menino alcançou o companheiro, os dois se atropelando enquanto o teto desabava na sua esteira, deixando de acertá-los por muito pouco. O chão à sua frente, ferveu como água, e uma lança de gelo avançou do solo, despedaçando uma árvore. Um galho enorme voou na direção dos dois, e Pelume agiu por instinto, usando o galho fino que trouxera junto para se defender. A forquilha em suas mãos estremeceu como se fosse se esmigalhar, porém foi o outro galho, maior e mais pesado, que se espatifou e apenas algumas felpas atingiram os dois.

A passagem iluminada aumentou e ambos se meteram por ela, sem pensar. O caminho era escorregadio, estreito, e um filete de água corria por ele e se perdia os restos do bosque. Um pouco adiante havia pedaços de troncos no chão, todos abatidos pela avalanche. Diante deles, três árvores caídas formavam uma espécie de barreira coberta por gelo transparente. Pelume parou ofegante e largou o galho, para ajudar Pinguim Azul a subir. Então, antes de tentar escalar a barreira, olhou para trás.

Desejou não ter feito isso.

A criatura que os perseguia vinha avançando pelo corredor, deslizando as enormes patas dianteiras sobre as paredes azuis. Debaixo das unhas imundas, a geleira se movia como algo macio, derretendo e voltando a congelar. A parede inteira ondulava, alterando os seus contornos e sua geometria.

— Me dê o galho, Pelume, e eu te ajudo a subir! — disse Pinguim Azul. Era uma boa ideia. O menino estendeu o galho para cima e o amigo segurou sua ponta dupla. Com a ajuda do pequeno, usando o galho como apoio, Pelume conseguiu escalar os troncos gelados, escorregando muito e batendo com força contra o obstáculo. Quando chegou lá em cima, tornou a olhar para a criatura que tinha parado junto aos troncos como se lamentasse a perda de suas presas. O garoto ousou sorrir, um pouco mais seguro de si.

— Ah! Quero só ver o que ele vai fazer agora! — Desafiou.

A coisa respondeu com uma careta horrível. Depois esticou os braços e se agarrou no tronco mais alto, içando-se sem esforço algum. O movimento foi tão repentino que antes que os meninos tivessem tempo de reagir, ela escancarava os dentes ameaçadores há um palmo do nariz de Pelume. O menino gritou e levantou sua forquilha, em um movimento desastrado que bateu com força no teto baixo. O gelo desabou, enterrando a fera sob uma boa quantidade de neve endurecida. Pelume recuou e caiu por cima de Pinguim Azul.

— Vamos embora! — gritou o pequeno, erguendo-se depressa. O teto claro estremeceu ao som de sua voz e ambos fugiram de novo, atropelando-se pela passagem. A criatura levou alguns instantes para emergir do monte de neve numa explosão de força e fúria, e os garotos mal conseguiram por alguma distância entre eles e seu perseguidor. De vez em quando, Pelume usava o galho contra o teto baixo, provocando rápidos desabamentos que atrasavam um pouco seu perseguidor. O corredor seguia infindável, branco e claro, prometendo uma saída sem jamais cumprir, até que atingiu uma área alta, de gelo azulado e transparente, um corredor que se estreitava em uma gigantesca fenda triangular. Além dela viram o céu, um pedaço de montanha, o fiorde pelo que tinham entrado, e a fumaça de uma pequena fogueira. E ali, bem junto da passagem, o Homem Mais Que Velho segurava uma tocha e tentava ver o que acontecia lá dentro.

— Vamos! — Pelume disse para seu companheiro que tinha parado e agora olhava para o lado com uma expressão aterrorizada. A luz que atravessava o glaciar o iluminava de azul. O pequeno olhava a parede e tremia, e Pelume espiou, relutante. No começo, até achou que a mancha na parede apenas se parecia com a criatura que os seguira até ali. “É impossível algo se mover dentro do gelo”, ele pensou.

Então a mancha virou-se e exibiu a dentadura de novo, espalmando as garras contra a superfície transparente e sólida.

Os dois meninos tornaram a correr, e a coisa… a coisa os seguiu por dentro da parede, através dela, pelos meandros misteriosos do interior da geleira, escalando as ranhuras, as fissuras e rachaduras que a entremeavam como a teia de uma aranha. O ruído do gelo sendo arranhado e quebrando, era o pior dos pesadelos sempre no rasto dos meninos. Mas a criatura estava sempre a um passo deles e, talvez por isso, Pelume chegou a pensar que conseguiriam.

Então a coisa parou, ficando para trás e o garoto espiou sobre o ombro. Faltavam apenas alguns passos até saída e eles conseguiam ouvir a voz do Homem Mais Que Velho chamando seus nomes. Pelume sentiu uma esperança breve aquecer seu peito. Chegou a ensaiar um sorriso.

Um ruído de coisa se quebrando explodiu com violência ao seu redor, atordoando-os. Os dois titubearam no meio da passagem, vendo o gelo se fechar, encaixando as paredes de cima para baixo, inexorável. Não havia tempo para atravessar. Eles iam ser esmagados diante dos olhos aterrados do Homem Mais Que Velho, um castigo para aqueles que ousavam se aproximar do glaciar.

Num esforço impensado, e provavelmente vão, Pelume segurou o seu galho com as duas mãos e o levantou, encaixando-o contra as paredes, como se a forquilha, que era um pouco maior do que ele e quase um graveto de tão fino, pudesse impedir o movimento

Houve um silêncio. Tudo se imobilizou. Pelume olhou para a direita e para a esquerda, atrevendo-se a mover apenas os olhos. Pinguim Azul estava agarrado em sua cintura, gemendo baixinho, como um filhote de foca com medo. O Homem Mais Que Velho os encarava com espanto, sem acreditar no que via..

A criatura dentro do gelo abriu a boca e cuspiu, furiosa. Em resposta, a geleira estalou alto e dezenas de lascas frias e duras caíram sobre os meninos, acertando os braços de Pelume, arranhando e cortando. Em torno das pontas do galho fino, as paredes começaram a trincar, esmigalhadas por uma imensa pressão. O chão rosnou e tremeu. Uma lâmina de neve deslizou desde o alto da fenda, uma bela cortina branca.

Mais uma vez, nada aconteceu. A forquilha de Pelume sequer envergou. “Que galho forte”, admirou-se ele. E baixinho, disse para o amigo:

— Pinguim Azul, preste atenção. Você precisa correr para fora. Entendeu? Eu só vou sair daqui quando tiver certeza de que conseguirei passar pela abertura e você não pode estar me atrapalhando. Vá agora, depressa!

O pequeno assentiu e correu com todas as forças, no momento em que outra pequena cachoeira de neve desabava. A criatura do gelo olhou para cima, como se tivesse tido uma ideia, porém Pelume não ficou para ver o que ela planejava. Com um grito, correu atrás do amigo, enquanto as paredes azuis finalmente se fechavam no seu encalço, despedaçando-se num rugido ensurdecedor. Ele rolou embolado com o Homem Mais Que Velho e Pinguim Azul, e os três foram parar dentro do mar que lambia o minúsculo trecho de praia de seixos que o avanço da geleira tinha preservado. A água era tão fria que queimava. No instante seguinte, o Homem Mais Que Velho puxou Pelume para cima. Com a outra mão, segurava a cabeça de Pinguim Azul para fora da água, enquanto o pequeno se debatia, tossindo. Assim, aos trancos, os três conseguiram chegar até a praia, onde a canoa em que tinham vindo jazia, exibindo na lateral uma rachadura grande o bastante para afundá-la, se estivesse abaixo da linha da água. Mas ela era a única saída e eles tinham de arriscar.

— Depressa, depressa! — O Homem Mais Que Velho disse, empurrando os pequenos para dentro da canoa.

— Precisamos nos secar antes! Vou morrer de frio! — Protestou Pinguim Azul, como se a geleira não estivesse ali, debruçando-se sobre eles de novo.

— Onde estão os remos? — Gritou Pelume em pânico.

— Não sei! Perdi! — respondeu o Homem Mais Que Velho. Pelume olhou ao redor, e então viu a forquilha que o salvara na geleira, caída na praia debaixo da parede azul do glaciar. Espiou o alto do gelo e viu a criatura emergir lá, pendurando-se na beirada para encará-lo, como da primeira vez em que tinham se visto. Pelume soube na hora o que ia acontecer, assim como sabia que não poderiam mover o barco se não tivessem algo para impulsioná-los. Com o coração batendo contra as costelas, ele pulou de volta para a terra e agarrou o galho, puxando-o com força. A madeira não se moveu até se quebrar de repente. Pelume caiu de costas com sua conquista nas mãos. Seus olhos deram com a criatura no alto da geleira, as costas apoiadas na parte mais maciça da parede e as pernas enormes empurrando uma placa gigantesca na sua direção. A rachadura se delineou no gelo. Pedaços pequenos começaram a cair ao redor do menino e ele virou-se e correu para o barco, saltando para dentro. Empurrou o galho para o fundo do fiorde — o Homem Mais Que Velho o encarou de novo como se não acreditasse, porque ele sabia que o fiorde era fundo e que aquela forquilha era pequena demais para chegar ao leito — e então o barco se moveu rápido, afastando-se do bloco que demorava a se desprender. Quando o gelo desabou, parte de sua força se perdeu, porque caiu em terra firme, engolindo a pequena praia onde eles tinham estado pouco antes. Apenas uma porção caiu no mar, formando uma onda que empurrou a canoa para fora do canal com força. Pelume aproveitou a corrente e fez com que deslizassem para longe, para a segurança do mar — que nem tão seguro era, afinal de contas. As ondas picadas estavam bem diferentes de quando tinham entrado no fiorde, e Pinguim Azul e o Homem Mais Que Velho tinham de se apressar para conseguir pôr para fora do barco toda a água que entrava. Quando Pelume propôs ao adulto que assumisse o remo, o velho apenas sacudiu a cabeça e disse:

— O galho é seu, Pelume, o remo é seu. Precisamos chegar em casa antes da tempestade nos alcançar.

— Tempestade? Que tempestade? — Indagou Pinguim Azul, tentando descansar um pouco. O Homem Mais Que Velho fez uma cara de zangado e disse apenas:

— Continue a pôr a água para fora, Quitute de Orca, se não quiser que seu nome se transforme no seu destino.

O menino fez um bico, mas obedeceu.

E foi assim, lutando com a água e discutindo, que conseguiram chegar à Ponta Cinzenta, onde naufragaram, por fim. Felizmente, a terra não ficava longe e, mesmo encharcados e gelados, assim que tomaram pé na areia correram até a praia da Caverna Mais Alta do Mundo, onde Raio Branco e o Árvore Quebrada se preparavam para sair em busca deles. Todo mundo já tinha voltado para casa e havia uma nuvem de tempestade viajando no rastro dos meninos e do velho. Os três foram resgatados pelos seus, e todos correram para se refugiar na segurança da gruta, enquanto a borrasca feroz escurecia o Dia como se fosse Noite, durante três longos sonos.

E como as noites são para se ouvir histórias, na segunda delas o Homem Mais Que Velho convidou Pelume para contar o que havia acontecido dentro da gruta de gelo.

— Não sei ao certo o que houve — disse o menino, olhando para o galho que trouxera consigo. — Só sei que ganhei um remo para minhas pescarias.

— Ah, mas ele deve ser mais do que isso — comentou Pinguim Azul. Sem nenhuma timidez contou à tribo inteira a aventura que tinham vivido, história que Os do Fogo ouviram com muito interesse. Quando o pequeno terminou o relato, Caniço Longo, que além de pescador, tinha fama de grande aventureiro, balançou a cabeça e riu, divertido:

— Que coisa fantasiosa! Talvez o Homem Mais Que Velho devesse parar de contar histórias para nossas crianças, afinal de contas. Quanta imaginação! — Disse ele.

O Homem Mais Que Velho riu junto com o homem.

— Você tem cada ideia, pescador! O certo teria sido voltar antes de encontrar Mwono, Aquele Que Vive nas Geleiras, Aquele Que Vive nas Montanhas, Aquele Que é o Som da Avalanche, que molda os glaciares e não admite, nunca, uma criatura viva em seu reino. Pouca gente pode se gabar de tê-lo visto e estar vivo para contar, como nossos meninos, tanto que ninguém lembra como Mwono é. Mas se eu tivesse avisado os garotos, Caniço Longo, e se eles tivessem tido mais medo do que esperança, será que estariam aqui, entre nós, agora?

O pescador olhou para os dois pequenos, que o encaravam ofendidos e sorriu.

— Certo, velho. Então, Mwono existe mesmo. A ignorância de fato, às vezes, nos salva.

Ele se inclinou sobre Pinguim Azul e bagunçou o seu cabelo. O pequeno riu, alegre. O homem cogitou fazer o mesmo com Pelume, porém aquele galho que o menino segurava impunha certo respeito. O Homem Mais Que Velho se reclinou junto ao fogo e olhou para o teto da caverna, pensativo.

Você está enganado, Caniço Longo. A ignorância nunca salva. Se eu não tivesse sido ignorante e imprudente como um caçador de pinguins de primeira temporada, nunca teria levado os meninos até o fundo do fiorde e eles nunca teriam corrido esse risco. Quem nos salva, sempre, são a esperança e a coragem — comentou por fim, mastigando as palavras em sua boca desdentada.

Pelume pensou um pouco no que o Homem Mais Que Velho tinha dito e achou que ele tinha razão. Porém, como ainda era pequeno, quando a tempestade terminou e o Dia voltou a brilhar, ele esqueceu de tudo e foi com seus amigos, pescar com seu galho novo e brincar de orca e foca, como se nada de maravilhoso tivesse acontecido.

Como se nada de maravilhoso e desafiador nunca mais viesse a acontecer.

Author: Simone Saueressig

Simone Saueressig tem vários títulos publicados no gênero do Fantástico como “A Noite da Grande Magia Branca” (2007), “A Estrela de Iemanjá” (2009), “A Máquina Fantabulástica” (1997), e o livro de contos “Contos do Sul” (2012). Participou de antologias, como “Duplo Fantasia Heroica 3” (2012), e é autora da saga “Os Sóis da América” (2013), que conta as aventuras de Pelume pelo fantástico território de lendas chamado O Velho Norte.

2 thoughts on “A caverna de gelo

  1. Muuuuito bom o conto da Simone.

    Um texto escorreito e soltinho feito arroz. A moça sabe como segurar uma estória até o fim. Muito legal mesmo. Foi um prazer ler um material assim.
    E meus parabéns também para o pessoal da Trasgo pelo bom gosto e qualidade na escolha do conteúdo.

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