Aline Valek é escritora e ilustradora. Nasceu em Minas, é brasiliense, vive em São Paulo, mas mora na internet, onde publica seus textos. É autora da newsletter Bobagens Imperdíveis e colunista da Carta Capital. Publicado pela Rocco, As águas-vivas não sabem de si é seu primeiro romance, mas já lançou de forma independente dois livros de contos: Pequenas Tiranias e Hipersonia Crônica.
Sua história começa com um fim do mundo. De certo modo, num sentido puramente metafórico ou não, podemos dizer que toda literatura começa com o mundo como conhecido por seus habitantes imaginários acabando?
O mundo está sempre acabando. Todos os dias, um pouco do nosso mundo conhecido acaba um pouco para ser substituído por outra coisa. Claro que é um processo muito lento, sem toda aquela emoção e urgência das histórias distópicas com explosões, invasões alienígenas, dilúvios ou grandes epidemias, e só conseguimos distinguir esses "fins do mundo" olhando para trás, e não quando estamos bem no meio dele. Mas a ficção nos permite observar esses apocalipses na velocidade certa. Permite até dar zoom.
Literatura é trabalhar com a destruição. Claro que nela criamos mundos, mas principalmente os destruímos. Sem dúvidas há muito de fim do mundo quando os personagens rompem com as barreiras do conhecido ao entrar numa aventura – ou quando rompem com eles próprios e se transformam, porque nossos mundos "internos" também estão constantemente sujeitos ao fim, quando deixamos de ser alguém que já fomos. Ou não, às vezes as pessoas simplesmente escolhem não mudar, e esses são os tipos mais fascinantes para mim. Mas fazer literatura tem a ver com destruição, ao meu ver, porque no momento em que escrevo sobre um personagem, já estou trabalhando para o seu fim.
Dizem que as mulheres estão cavando seu espaço no cânone literário só recentemente, mas nós sempre estivemos aqui, desbravando todos os gêneros. Você acha que o que mudou é que agora vozes femininas recebem mais reconhecimento? Ainda estamos na mesma?
Que difícil falar em reconhecimento! Porque certamente hoje as escritoras recebem "mais" atenção e reconhecimento, mas só porque, se olharmos para trás, vamos ver não só escritoras sendo reconhecidas num nível próximo do zero, como barreiras muito mais extremas impedindo que diversas mulheres se tornassem escritoras, para início de conversa.
Hoje estamos escrevendo, produzindo, promovendo nosso trabalho e de outras escritoras, rompendo padrões e estereótipos que nos excluíam. Aos poucos, vamos ganhando voz. A situação melhorou, mas não acho que isso signifique que esteja fácil. Ser mulher é jogar a vida no hard, e isso também vale para a produção literária. Acho que ainda é preciso romper muitas barreiras, especialmente a da falta de visibilidade que, nas pequenas ausências e silêncios, vai empurrando as autoras para as margens, e dali para o esquecimento.
Quais são suas grandes influências?
A escrita de Margaret Atwood, Virginia Woolf e Elvira Vigna me transformaram. Acabaram com o meu mundo para substitui-lo por um universo maior, talvez melhor. Douglas Adams, Neil Gaiman e Stephen King também foram muito importantes na minha formação.
Fale um pouco do seu livro, "As Águas-Vivas não Sabem de Si."
Corina é uma mergulhadora experiente que é contratada para uma expedição que vai testar trajes de mergulho capazes de resistir à alta pressão das profundezas. Ela integra uma pequena equipe que vai passar algumas semanas confinada numa estação de pesquisa no fundo do oceano, lideradas por um cientista que esconde o verdadeiro objetivo da sua busca. O que não é uma exclusividade dele: todo mundo ali, como o próprio oceano, tem algo a esconder, inclusive Corina.
Então é uma história sobre cinco pessoas que não se entendem, não sabem o que estão fazendo e nem o que estão procurando, presas a 300 metros de profundidade. Ou é uma história sobre as criaturas que vivem no mar, com suas questões bem peculiares, como o que sentem à beira da extinção. Ou são umas trezentas páginas de história para descobrir, afinal, o que sabem as águas-vivas. O livro tem conflitos humanos e aquáticos. Vai do gosto do freguês.
Que aventura você escolheria se pudesse tomar uma pílula dos sonhos?
Tomaria das pílulas que me levariam para sonhos do mundo da minhoca. Quem descreveu o que seria esse mundo foi Murakami, em "Caçando Carneiros", onde diz que "no universo da minhoca não se estranha que uma vaca leiteira esteja à procura de um alicate". Nesse tipo de sonho, se a vaca o estivesse usando para obter o alicate, ele perguntaria "pra quê?", dando início a uma discussão sem fim com a vaca, em perguntas e respostas que absolutamente não fariam sentido, que o fariam odiar a vaca, ou vice-versa. Achei maravilhoso. Gosto quando os sonhos não fazem nenhum sentido. A vida, inclusive, podia se parecer mais com os sonhos do mundo da minhoca e abraçar de vez o absurdo e o surrealismo da qual ela já está cheia.
Conte dos seus projetos. No que anda trabalhando?
Estou trabalhando na edição do livro de Bobagens Imperdíveis, que vai trazer os melhores textos e histórias que enviei para meus leitores em mais de três anos de newsletter. A newsletter de Bobagens, inclusive, é um trabalho constante, que me permite desenvolver novas ideias e reflexões que acabam alimentando meu trabalho de ficção. Fica o convite para os leitores da Trasgo assinarem (é grátis!) e conhecerem mais do meu trabalho por lá.
Estou escrevendo alguns contos, que pretendo lançar em uma pequena coletânea, nos mesmos moldes de "Pequenas Tiranias", que lancei ano passado. Também comecei a escrever um romance, ainda sem nome ou sem previsão, que envolve uma fotógrafa que vai registrar uma cidade que afunda. O que vai acontecer (e o que vou fazer com essa história depois de terminada) ainda não sei; só escrevendo para descobrir.