Anna Fagundes Martino nasceu em São Paulo em 1981. Mestre em Relações Internacionais pela University of East Anglia (Inglaterra), teve trabalhos publicados em revistas como a britânica “Litro" e interpretados na Radio BBC World. No Brasil, publicou "A Casa de Vidro" pela editora Dame Blanche.
Eu acompanho o seu trabalho já há anos e sei que "O Futuro É Um País Estrangeiro" tem muito mais background do que uma leitura do conto pode deixar parecer. Fale um pouco de como a história surgiu.
A história por trás do conto já tem dez anos, mais ou menos – começou como um exercício de ficção científica, assunto que eu gostava de ler mas não conseguia escrever de jeito nenhum, e acabou fugindo do controle da autora. Já teve todo tipo de roupagem e tratamento, de roteiro para televisão e montagem de teatro até um romance, ainda por terminar (uma hora vai). Adicione-se a isso um amor pela História das Religiões e por teorias sobre a multiplicidade do espaçot-tempo, a convivência com um judeu fã de Agatha Christie e romances policiais (oi, Daniel!) e as reclamações de um namorado que se queixava dos clichês do gênero fantástico (bem, leitores, eu casei com ele – oi, Luis!) e deu-se o ocorrido. "O Futuro…" foi uma tentativa de recuperar essa história, olhando por um outro ângulo: quem não adoraria descobrir como os pais eram, quando começaram a namorar?
O que você acha que é tão irresistível a respeito de viagem do tempo? Por que sempre retornamos ao tema, apesar dele já ter sido explorado tantas vezes na literatura?
O ser humano tem apenas duas certezas na vida: a de que vai morrer e de que o passado não volta. Para contornar essas duas barreiras, sonhamos com a imortalidade/vida após a morte/ressurreição e com alguma maneira de voltar atrás e reviver coisas boas e/ou corrigir besteiras. Assim como sempre voltamos ao tema do amor eterno (que é, em essência, também uma forma de driblar a morte e a passagem dos dias), enquanto houver uma maneira de imaginar, haverá algum autor ou autora inventando sua máquina do tempo.
Matar o Hitler ou tomar chá com a sua figura histórica favorita?
A segunda opção, certamente: Oscar Wilde, um bule de chá e scones, do que mais uma pessoa precisaria nessa existência? (Se Wilde não estiver disponível, Jules Verne, Elizabeth Gaskell, Marie Curie, Lizzie Siddal e Alexander Fleming seriam os próximos da lista. Aliás, essa seria a lista de convidados para jantar dos meus sonhos). O problema de matar o Hitler é que ele era apenas a parte mais visível e vocal, digamos, de um monstro extremamente nocivo – você teria que matar junto Goebbels, Himmler e mais umas duas dúzias de canalhas e isso só para começar. E é certo que, não existindo aquele filho da mãe, mas havendo o caldo cultural no qual ele foi gerado, outro tomaria seu lugar, infelizmente. A História é sempre mais complexa do que gostaríamos.
Quais são suas grandes influências na ficção científica?
Jules Verne, Carl Sagan e Ursula K. Le Guin são os nomes que me ocorrem logo de cara. Aos doze anos, minha avó materna me presenteou com uma coleção completa de Verne, que tinha sido da minha mãe, e provavelmente aqueles volumes são o tipo de coisa que eu salvaria em caso de incêndio na minha residência. E "Cosmos"… Bem, quem seria capaz de ver o mundo do mesmo jeito depois daquelas aulas? Meu filho de quatro anos adora a versão nova, com o Neil deGrasse Tyson
Isso posto, minhas influências não são só de texto. Discos como "The Rise and Fall of Ziggy Stardust" (David Bowie) e "Starmania" (musical francês de 1978 que previu tipos como Sarkozy e Donald Trump – é sério, é sério, vão dar um Google e peçam para alguém que fala o idioma ajudar com as letras – o musical tem uma versão em inglês, mas ela é pavorosa) também me inspiraram a criar mundos de maneira diferente. Afinal, SF não é só robôs, conquistadores e guerras espaciais, ora bolas.
Você pretende retornar ao universo que deu origem a "O Futuro É Um País Estrangeiro" de outras formas?
Espero que sim! Afinal, eu tenho que contar como, afinal de contas, Irene e Ruben se encontraram e construíram uma máquina do tempo. Como um sanitarista judeu e uma doutoranda em Matemática ateia se conheceram, em primeiro lugar? É provável que isso aconteça em forma de contos – acho que foi a maneira em que a história se desenvolveu melhor.
Conte para os leitores da Trasgo no que anda trabalhando.
No momento, estou enrolada em duas frentes: "Um Berço de Heras",continuação da minha novela "A Casa de Vidro", publicada pela Dame Blanche; e um romance fantástico que se passa durante a Segunda Guerra Mundial, meu projeto para o NaNoWriMo desde ano (porque eu sou a maluca que morre de tendinite ao fim de novembro há seis anos – adoro o clima de camaradagem que envolve a comunidade de autores nessa época, todos ao redor da mesma maluquice). Entre pesquisas, edições e xingamentos às musas, provavelmente trabalho – e mais história – não vão faltar.