Érica Bombardi mora em Campinas (SP), com a família. Trabalha no mercado editorial desde sua graduação em Editoração, em 2000. Escreve ficção desde 2005. Publicou dois livros e vários contos, como os livros Canto do Uirapuru (2016, Prêmio Literário da Biblioteca Nacional) e Além do deserto (2012, Proac), e alguns contos, como“A Caçadora de Dragões D’Água” (2015) e “Por dentro” (2014, 25° Concurso de Contos Paulo Leminski).
Seu conto Gritos é, antes de mais nada, uma história de amor. Como nasceu essa ideia?
Não sei exatamente como. Vários contos nasceram do hábito de escrever à mão por vinte minutos em escrita automática. Vi essa técnica no livro O caminho do artista, da Julia Cameron, indicado a mim pela escritora Karina Heid. Já me desfiz do caderno em que estava esse conto, então não sei exatamente no que pensava na época. Eu sei que o conto nasceu de uma vez, assim que eu sentei para escrever as páginas daquele dia, nasceu sem planejamento algum, o que não é meu usual. Lembro vagamente que eu pensava sobre o conto de fadas A Bela e a Fera. O que foi muito claro para mim em “Gritos” era o afeto entre duas pessoas, um grande amor, e o choque desse sentimento contra preconceitos, e o absurdo desse contraste. O amante do protagonista revelou que é um lobisomem, mas o protagonista não consegue dizer que ele é um “caseiro” e que não é rico. Como se uma classificação social fosse mais importante do que sua essência, do que você realmente é, do que você sente. Outro fato é que eu tentei não colocar nenhuma situação dentro de “tipos”, eu não queria colocar expressamente nem o termo “lobisomem”, de forma que o leitor não tivesse certeza de como caracterizar o personagem-amante. Tentei abolir categorizações.
A narrativa de Gritos é um fluxo de consciência em primeira pessoa. Porque você escolheu esse modo para contar a história?
Porque mais esconde do que revela. Não sei explicar muito bem. Apesar de gostar muito de literatura, eu não estudei literatura a fundo, então falar sobre técnica não é fácil para mim. Meu primeiro livro, eu escrevi mesclando a terceira pessoa com um narrador onisciente, mas por necessidade, pois existiam muitos personagens e muitos cenários. Meu segundo livro, comecei escrevendo em terceira pessoa, mas daí me “bateu” que não estava certo, daí recomecei o livro em primeira pessoa e achei que funcionou melhor. Eu vou escrevendo assim, como que tocando de ouvido.
Quais são as maiores influências na sua escrita?
Cada pessoa é um livro, como no Fahrenheit 451. Acho que, mesmo que se leia muito, ficam dentro de nós algumas palavras, alguns trechos, alguns livros. Aliás, o Fahrenheit é um deles. Da história, gostei muito de A mão esquerda da escuridão, Harry Potter, Todos nós adorávamos caubóis (da Carol Bensimon), um conto sobre um robô-artista do Asimov, quase tudo do Neil Gaiman, alguma coisa de Stephen King e Anne Rice. Sobre construir clima e tensão Orgulho e Preconceito (de Jane Austen), Alice Munro e Agatha Christie. Sobre ritmo na narrativa, Ana Paula Maia e Raimundo Carrero. Na forma da narrativa, o Apanhador no campo de centeio e O Conto da Aia. Pelos diálogos, A estrada (McCarthy) e Belas maldições. Em poesia, Cecília Meireles, Emily Dickinson, Hilda Hilst, Alice Ruiz. Sobre tempo na narrativa, os filmes de David Lynch. Em maestria, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Philip Roth. Li um livro muito bom, que indico, o Sono, de Haruki Murakami. E como autoajuda para escritores, indico o poema O Elefante, de Carlos Drummond de Andrade.
Suas obras têm tido bons resultados em concursos. Nos conte um pouco sobre como é participar dessas premiações.
Para mim, foi o caminho possível para conseguir me publicar. Publiquei o Além do deserto com o Proac, e publiquei o Canto do Uirapuru depois de ele ser indicado para uma premiação. É ótimo que hoje existam muitas formas de se ingressar nesse universo da literatura, há os youtubers, há quem faça podcast, newsletters, tenha grupo de debate, compareça a eventos, ministre workshops, e tantas outras formas. Os prêmios literários são uma dessas formas. Como eu comecei a escrever assim que tive meu primeiro filho, não consegui me organizar para ir em eventos nem fazer muita coisa on-line, não sobrava muito tempo depois do expediente do trabalho. E eu também sou irritantemente tímida, se bem que acho que isso me ajuda a ser introspectiva em meus textos. Não posso reclamar. Como diz Clarice, “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.
Sobre participar presencialmente das premiações, eu fui em algumas delas e foi bem legal, conversei com os outros escritores, têm um clima diferente esse encontro. Na premiação da Biblioteca Nacional, fui até o Rio de Janeiro, teve um evento muito bonito e caiu uma chuva imensa, conversei com a Elizabeth Serra da FNLIJ (que disse ter ido lá apenas para me conhecer, é surreal escutar algo assim, fiquei feliz). Conversei e depois passeei pela cidade com a Marta Barcellos e a Sheyla Smanioto, pessoas de uma energia incrível, de “cabeça muito boa” (como diria minha mãe). O evento da premiação do Barco a Vapor foi maior e mais elaborado, teve um pequeno show literário, mas a interação entre os escritores foi quase nula.
Mas, vale a pena falar, ganhar concurso não significa ter leitores ou garantir publicação de obra ou ter uma carreira como escritor. Um de meus livros de contos para adultos, o Caixa de facas, foi finalista do prêmio Sesc e eu ainda não consegui publicá-lo. Há uma lógica nefasta nos prêmios, de que o segundo colocado é o primeiro perdedor. Eleger apenas um dentre tantos e tantos que escrevem bem parece ser uma “operação tapa-buraco”. Não é suficiente. O país precisa prestigiar mais seus escritores, os novos escritores. A “literatura nacional” parece eleger um ou outro por ano apenas para cumprir alguma tabela, e segue na cíclica atenção aos consagrados.
Gente, apesar do pesares, temos que insistir. Ser escritor é insistir, resistir, ter constância, ritmo. Insistam.
Você está trabalhando em algo atualmente que gostaria de compartilhar com os leitores da Trasgo?
Tem um texto que fiz agora e coloquei na Amazon. Eu gostei muito de escrever, mas ele ficou bem longe de minha “área de conforto”, por isso adoraria saber a opinião de quem lesse. É o “Nunca pare no acostamento”. Quem ler, por favor me dê um feedback.
Para quem gostou de Gritos e quiser conhecer mais de sua obra, qual o caminho?
Coloco textos no wattpad, em meu blogue e na Amazon. Livros publicados em papel, tenho o Além do deserto e o Canto do Uirapuru. Tenhos alguns contos em coletâneas também.
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