Nascido em São Paulo, na cidade e no estado, há mais tempo do que lhe é confortável lembrar. Formado em Direito e com outras faculdades que deixou quase no final, como ciências políticas e sociais, já fez de tudo para colocar o pão na mesa: redator de discursos e responsável por jornais e revistas em campanhas políticas, coordenador de pessoal, ghostwriter, garçom, professor e outras vilanias. Sempre gostou de escrever, mas nunca teve, até agora, um bom motivo para tornar público o que escreve. Modos que, não publicou. O resto é falta de vergonha na cara mesmo.
Sobre Dragões, Magias e Encantamentos Diversos traz duas narrativas praticamente paralelas, que vão se juntar só no final. A de Nebru e a de Gavião-na-Pedra. Qual das duas surgiu primeiro? Qual foi a inspiração desse conto?
A narrativa-núcleo, com o relato da unção de Gavião-na-Pedra como mago veio primeiro. Mas sempre houve a intenção de sobrepor a narrativa do Dragão como contraponto, quase como um comentário. A ideia que me atraiu foi a do Dragão como um “colecionador de relatos”, um ente não-humano que valoriza o intangível, que entende que a dinâmica que cria e sustém o universo é, fundamentalmente, a palavra (Deus cria o mundo com a ordem verbal: “faça-se…”. Todas as cosmogonias são contos do ponto de vista da criatura, onde a linguagem é ritmo, fluxo e refluxo). Por outra, o Dragão (um filósofo e um esteta por excelência) não julga as ações humanas, embora pareça entender as premissas que as moldam. A inspiração do conto veio de uma imagem antiga, imemorial, uma constante dos mitos: a jornada de iniciação do herói e a figura sempre necessária do preceptor e guia. No caso, dois preceptores: o, vamos dizer assim, guru Rada, e o comentador sobrenatural, Nebru, o dragão.
Um personagem que me chamou bastante atenção foi o de Rada. O mestre apresenta uma estrutura curiosa para perceber o mundo, a do homem tolo. Como foi escrevê-lo e quais as referências de "mestre" que você buscou?
Rada é figura arquetípica. Basicamente o molde de onde saíram os xamãs, os magos, o feiticeiro trapaceiro e o poeta. Diferente do filósofo, o mago e o poeta sabem que sua arte não depende da lógica ou da inteligência, mas de introspecção, de busca interior e de provações. Neste prisma, o buscador tem que se despir de pretensões e buscar uma atitude de inocência frente ao universo: a atitude de um tolo, aceitando tudo o que o Universo “Mandar”. A descrição não é minha, mas do poeta mexicano Octavio Paz em seu seminal O Arco e a Lira; provavelmente o único ensaio sobre a palavra que se manterá ainda na condição de essencial deste lado do milênio. Assim, Rada vem daí: o mestre Zen, o rabino, o babalaô e também a iaô, o iogue, o sufi, o poeta .
Em sua narrativa é possível perceber inspirações diversas para a construção do mundo. Pode identificar algumas delas?
A estrutura é a mais básica possível, Sword and Sorcery, com todos os seus clichês. As referências mais óbvias são, portanto, o deste subgênero da fantasia: mundo pós-Idade-do-Bronze, com ilhas de civilização representadas por cidades-estado e reinos independentes e tribos nos mais diversos estados de desenvolvimento: do neolítico de caça e coleta até comunidades pastoris e agrícolas. Os estamentos sociais são divididos igualmente entre espécies: homens, destinados à mortalidade, mas também os criadores das lendas e das canções; o Povo, imortais e dotados de grande conhecimento, mas também estáticos; os Pequenos, também mortais, mas com longas vidas e dotados de superlativas habilidades de artesãos; Papões, os servos da Escuridão. Ou, por outra: homens, seres sobrenaturais (da luz ou da Treva) e os povos à margem, subterrâneos, pequeninos. E, permeando tudo, “magias”. No plural, conforme o povo que as criou e usa.
Como é o seu processo criativo, como nascem os seus trabalhos?
É minha opinião que, antes do escritor vem o leitor e apreciador. Mas um leitor/apreciador onívoro, livremente aberto a toda produção cultural: literatura, tanto a “mainstream” como as alternativas, em todos os gêneros; cinema, artes plásticas, música, quadrinhos e a ciência. Ou mais explicitamente: do cordel à Gilgamesh; o jazz, o repente, o cantochão e o rock; as “trinta e seis vistas do Monte Fuji” e a fotografia; Bergmann e a física quântica. Todo este manancial está sempre à disposição e, vez por outra, uma personagem se destaca na tela de fundo e se apresenta para contar sua estória. Procuro ficar atento.
Quais são seus autores favoritos e principais referências literárias?
Se formos nos ater à divisão um tanto artificial de literatura utópica, de fantasia ou SciFi, sou fascinado pelos autores de voz própria, que transcendem ao gênero, como Ursula K. Leguin e Philip K. Dick. Em termos de Brasil, Guimarães Rosa e Machado de Assis; autores que não dispensaram o elemento fantástico em seu trabalho (Um Moço Muito Branco e O Anjo Rafael, respectivamente, são dois exemplos que me ocorrem). Mas também Jorge Luís Borges, Jorge de Lima, Clarice Lispector, Ariano Suassuna. Gosto muito também, atualmente, do trabalho de Antônio Luiz M. C. Costa e seu universo dos “outros quinhentos” e sua estética “Tupinipunk”.
Em que você tem trabalhado que pode nos adiantar?
Tenho um projeto em andamento, sem prazo definido para conclusão, da criação de um universo de contos urbanos com temática de fantasia, centrado, mas não exclusivamente, em personagem a quem batizei de Selma Plá. A ideia é deixar este universo tão poroso quanto possível a toda e qualquer influência (todos os, digamos assim, produtos de cultura, os que podem chegar e chegam a uma pessoa atenta). Ainda está em fase inicial e é composto, basicamente, de microcontos que vou postando em um blogue na Rede (sob a “tag” Selma Plá). Meu caderno de notas. Mais concretamente, e fora do projeto, tenho dois contos em gestação onde são personagens, respectivamente, Exú e um rabino do século XIII.
Para quem gostou do seu trabalho, qual é o caminho, onde encontramos mais material?
Mais material pode ser encontrado, de forma desigual, em meu “bloco de notas”: corintianovoador.wordpress.com.