Paulo Alcaraz é gaúcho radicado em Florianópolis, 45 anos, servidor público federal e guitarrista amador. Historiador que acabou não seguindo o ofício, fã de cinema em geral e dos velhos filmes mudos em particular. Após a Meia-Noite é minha tentativa de reunir essas duas paixões, história e cinema.
“Após a Meia-Noite” é uma homenagem aos filmes do cinema mudo. Conte-nos um pouco sobre o seu fascínio pelo tema.
Tudo começou com o Chaplin, como não poderia deixar de ser. A Globo costumava exibir festivais com seus filmes nas décadas de 70 e 80. Com o VHS e o DVD, conheci Buster Keaton, Murnau, Lang, Gance… A partir de 2005, plataformas como o Youtube e o Vimeo deram um impulso sem precedentes à brincadeira — os trabalhos dos precursores todos estão ali — Edison, Mélies, Griffith… E claro, Lon Chaney.
Os filmes mudos emanam uma atmosfera de mistério, quase de sonho, algo difícil de explicar, mas fácil de perceber. Claro, o fato de todas as pessoas em cena já terem virado cinzas há tempos ajuda a criar essa sensação. A ausência de falas obrigava os realizadores a serem criativos no uso de uma forma narrativa que era eminentemente visual. Sem a palavra falada os filmes eram mais interessantes — e mais universais.
Uma coisa que gostei em seu conto é como ele tem o ritmo um pouco mais sossegado, sem grandes reviravoltas, mas mostra um personagem, uma busca, alguns contratempos, e vai crescendo. De certa, forma, como um filme antigo. Como foi o processo de criar o conto?
Originalmente seria um post sobre a parceria Tod Browning/Lon Chaney para um blog que eu mantinha com amigos, o Alerta Geral (alertageral.wordpress.com). Eu escrevia geralmente sobre filmes B, usando o pseudônimo Espantalho.
Enquanto eu pesquisava sobre o tema em enciclopédias e sites especializados, uma enorme massa de dados veio à tona, e ao tentar organizar toda essa informação na cabeça, aos poucos foi surgindo a ideia de um conto ambientado nesse universo.
Quase todos os dados apresentados no conto – nomes, datas, locais – são factuais. After Midnight é de fato o Graal dos filmes perdidos; o caso do inglês que cometeu um homicídio instigado por uma suposta aparição de Chaney realmente aconteceu. O maior desafio foi inserir os personagens nessa cadeia de acontecimentos sem que ficasse parecendo um verbete da Wikipedia. A certa altura fiquei preocupado que estivesse cometendo aquilo que os gringos chamam de info dumping, ou seja, um despejo excessivo de informações, e que isso pudesse comprometer a fluidez da história. Se fui bem-sucedido, tenho ainda algumas dúvidas. Seja como for, é minha homenagem sincera às pessoas que inventaram a arte de fazer filmes.
Daniel Vargas seria o seu alterego? Você levaria os rolos para casa?
Há certamente pontos em comum, a começar pela atração pelo universo dos filmes antigos. Mas é certo que eu não me comportaria da mesma forma diante de eventos de natureza sobrenatural. O mais provável é que eu deixasse os rolos e voltasse para casa no primeiro voo.
Quais são suas inspirações, no cinema e na literatura?
No cinema contemporâneo, gosto de cineastas que procuram romper com o lugar-comum. Gosto muito do trabalho dos Irmãos Coen, do Michael Haneke e de quase tudo que foi feito na Coreia do Sul nas últimas duas décadas. Entre os antigos, os clássicos de sempre – Murnau, Lang, Chaplin, Browning, na Era Muda; depois Ford, Hawks, Huston, Wilder, Hitchcock. Como cresci nos anos 70-80, Siegel, Polanski, Kubrick, Leone, Eastwood, Spielberg.
“Cândido”, do Voltaire, é meu livro de cabeceira. Poe, Borges, sempre. Dos contemporâneos, “As Incríveis Aventuras de Kavalier and Clay” do Michael Chabon e a Tetralogia Napolitana (sim, já li os quatro) da Elena Ferrante, me fisgaram de jeito.
Você tem outras obras em criação ou para serem publicadas, que poderia nos contar?
Tenho algumas ideias em desenvolvimento, todas elas misturando fato e ficção, do mesmo modo que em Após a Meia-Noite, que é minha estreia na ficção.