A música eletrônica tocava de maneira estridente e as luzes mudavam de cor a cada batida. Na pista de dança, corpos suados se aglomeravam, movendo-se quase em sincronia. Observando aquele espetáculo, um homem iniciava sua caçada. Devagar, ele rondou os dançarinos, procurando entre eles a aura mais pulsante. Gostava de caçar na boate, pois o lugar era repleto de energia e sensualidade, duas coisas que não podiam faltar em sua vida.
Não encontrou sua vítima no meio dos dançarinos, mas sim encostada no balcão do bar. Ela pedia uma bebida e usava um apertadíssimo vestido rubro, seus cabelos loiros reluzindo com as luzes da boate. Assim que a avistou, o homem soube imediatamente que aquela era a única pessoa que iria possuir naquela noite. Nenhuma outra ali se comparava a ela. Entretanto, não foi a beleza estonteante da mulher que chamou sua atenção, mas sim a aura cor de sangue ao redor do seu corpo.
Ele se aproximou confiante, experiente naquele jogo de gato e rato. A mulher não demorou a notar sua aproximação e, como todas as outras, não conseguiu resistir ao seu charme. Ele lhe endereçou um sorriso enviesado e, de propósito, deixou seus olhos vagarem pelas curvas sinuosas. No instante seguinte, segurou-a pela cintura e a guiou para um canto mais isolado.
Quando as luzes deixaram de iluminar seus corpos, eles se encostaram numa parede fria. Seus lábios se uniram com ardor e as mãos vagaram sem pudores. Ele não precisava tocá-la para ter o que precisava, mas não conseguia resistir ao êxtase de sentir na pele sua vítima fraquejando enquanto sugava-lhe a energia. Enquanto trocavam beijos e carinhos, ele se alimentava, drenando aquela maravilhosa força vital com imenso prazer. A música pareceu tocar mais alto e os gemidos da mulher foram abafados. Ela começava a sentir os efeitos do beijo e já se preparava para resistir. Entretanto, quando se tratava daquele caçador, a presa só se libertava quando sua fome estivesse totalmente saciada.
Por mais alguns minutos ele a manteve em seus braços, achando-a tão saborosa que até exagerou um pouco. Quando conteve-se, ela já estava quase desmaiada. Com cuidado, ele a carregou e a deitou em um dos sofás que circundavam a pista de dança. Ao olhá-la adormecida, sorriu envergonhado. Às vezes se empolgava tanto com sua fome que perdia o controle. Acariciou-lhe os cabelos e se despediu com mais um beijo. Até o raiar do sol ela já estaria desperta e com uma bela ressaca.
Deixou a boate pela já conhecida saída de emergência, que dava para um beco escuro e quieto. Ao sentir o vento frio bater no rosto, ajeitou o terno negro e alisou os cabelos com gel. Estava mais do que satisfeito com o desfecho daquela noite e já pretendia ir para casa. Seus passos ecoaram no asfalto molhado do beco, mas logo pararam. Com uma expressão de desagrado, ele se deu conta de que não estava sozinho.
— Ficou me esperando aqui fora a noite toda? — Perguntou sem olhar para trás.
Percebendo que seu esconderijo nas sombras não era mais necessário, um homem trêmulo se revelou. Ele trajava roupas amassadas e seu rosto tinha profundas olheiras. Parecia que não dormia há dias.
— Simão, eu preciso de sua ajuda — disse, com a voz embargada. — Por favor, me escute.
Diante daquele apelo, o caçador sentiu que toda sua satisfação com a caçada estava se perdendo. Inconformado, virou-se para o outro homem e o encarou com olhos raivosos.
— Eu sugaria toda sua energia se sua aura não fosse tão cinzenta. Não suporto tê-lo perto de mim, vá embora antes que eu decida machucá-lo.
O homem arregalou os olhos, visivelmente assustado, mas não recuou.
— Eu não estaria aqui se não estivesse desesperado. Por favor, Simão, Miguel está sofrendo. Só você pode ajudar.
— Eu não me interesso nem um pouco por seu filho — o caçador disse.
— Você não tem sentimentos? Como pode falar isso do seu próprio neto?
Simão, um homem elegante que aparentava ter no máximo trinta anos, já era avô de duas crianças. Seu físico podia ser de um jovem bonito, mas sua verdadeira idade era desconhecida até mesmo por aqueles que lhe eram mais próximos.
— Não venha me falar de sentimentos. Você não se importou com os meus quando tirou minha filha do clã. Quando a convenceu de que podia viver um conto de fadas, que eu sempre disse que ia fracassar! — Ele cuspiu aquelas palavras, carregadas de rancor. — Você foi o principal responsável pela morte dela, Jonas. E eu nunca vou perdoá-lo por isso.
Como se tivesse levado uma bofetada, o outro homem abaixou o rosto e recuou dois passos. A menção da morte de sua esposa trouxe lágrimas aos seus olhos.
— Por favor, poupe-me de seu choro barato — Simão se virou, decidido a ir embora. Aquela conversa toda só tinha servido para deixá-lo com um gosto amargo na boca.
— Eu nunca quis me envolver com seu bando e sempre neguei seus poderes. Vir aqui pedir sua ajuda fere todos os meus princípios, mas estou engolindo o orgulho — Jonas murmurou, suplicante. — Por favor, faça o que Estela desejaria.
Ao ouvir o nome da falecida filha, o caçador sentiu tamanho ódio que desistiu de partir. Virou-se e como uma verdadeira fera atingiu o rosto do homem que havia desonrado o mais antigo clã de vampiros psíquicos.
— Eu entendo a sua raiva — mesmo caído no chão e com a boca sangrando, Jonas continuou. — Mas eu não vou desistir até que me ajude. Vou te perseguir aonde quer que vá, vou estragar suas caçadas. Se precisar, entrarei em seu clã e humilharei sua liderança.
— Você estaria decretando sua sentença de morte se fizesse o que diz — Simão não parecia convencido.
— Eu estou desesperado. Não duvide de minhas palavras, pois faço qualquer coisa pela vida de meu filho.
Diante da obstinação e amor daquele pai, Simão apenas sorriu de forma maliciosa. Havia acabado de descobrir um jeito de destruir a vida do sujeito que mais detestava.
— Há um jeito de eu ajudá-lo — disse, de maneira misteriosa. — Mas deixo claro que exigirei um pagamento, algo de extrema importância para essa sua vida miserável.
Jonas arregalou os olhos. Na verdade, pouco ligava para as ameaças sobre pagamentos. A única coisa que realmente lhe interessava era a afirmação de que seu ex-sogro estava disposto a curar Miguel.
— Eu faço o que você quiser. Pago até com minha própria vida se for preciso.
Os olhos de Simão se estreitaram e ele sentiu um imenso prazer quando revelou qual era seu preço. Sua satisfação só aumentou quando Jonas fez uma careta, claramente ofendido com o que havia acabado de ouvir. Instantes depois, disse que nunca aceitaria aquela proposta e deixou o beco sem olhar para trás.
O sorriso de Simão só aumentou. No final das contas, aquela noite havia sido um verdadeiro sucesso. Conseguira sugar uma energia deliciosa e até mesmo um encontro não desejado se tornara promissor. No fundo, sabia que Jonas acabaria atendendo sua exigência. Tudo o que precisava era de paciência, a característica primordial de qualquer caçador.
Uma semana foi o suficiente para que o pai desesperado tomasse sua decisão. Quando Simão recebeu sua ligação já era madrugada, aquele homem realmente tinha um talento para atrapalhar suas caçadas. As poucas palavras que trocaram ao telefone foram suficientes para que Jonas confirmasse sua derrota e acertasse os detalhes do pagamento. Satisfeito, Simão garantiu que o visitaria antes do raiar do sol.
Meia hora depois, já estava tocando a campainha do pequeno apartamento que um dia pertencera a sua amada Estela. Ouviu passos apressados e logo foi recebido por um ofegante Jonas. Entrou sem cumprimentá-lo e foi direto ao assunto:
— Você sabe muito bem o que minha presença aqui vai custar. Ainda está disposto?
— O que você está fazendo comigo é horrendo — Jonas desabafou. — Um pai nunca deveria escolher…
Nem um pouco impressionado, Simão deu de ombros.
— Não me faça perder tempo. Aceita ou não?
O pai largou o corpo no sofá. Quanto mais conversava com aquele vampiro, mais sentia uma terrível sensação de vazio.
— Sim. Não tenho outra alternativa — sua voz saiu quase num sussurro.
— Então o contrato está selado. Mostre onde está o garoto.
Jonas se levantou numa vagareza relutante e caminhou até o quarto de seu filho. Observou-o em silêncio, magro e com o rosto descarnado, e sentiu o coração se desfazer em mil pedaços.
Cansado de lágrimas, Simão se ajoelhou em frente à cama do garoto e analisou sua enfermidade. As doenças na verdade são causadas por desequilíbrios nos centros energéticos. Todos os órgãos do corpo humano precisam ser supridos de energia para funcionarem da maneira correta, por isso um bloqueio energético ou uma desarmonia ocasionam o mau funcionamento do corpo e consequentemente uma doença. O caso de Miguel era particularmente difícil, pois ele tinha uma grande quantidade de nódulos repressores de energia. Em outras palavras, um câncer em avançado estágio de metástase.
Concentrando-se, Simão abriu as palmas das mãos, deixando apenas os dedos unidos. Precisaria passar pela aura de Miguel para chegar aos nódulos e isto seria um tanto desconfortável para a criança. Assim que começou a forçar passagem, o garoto arregalou os olhos e tentou se levantar. Entretanto, estava tão fraco que mal conseguiu sair do lugar. Simão então gesticulou para que Jonas controlasse o filho.
O processo de cura foi lento e meticuloso, mas terminou junto com o aparecimento dos primeiros raios da manhã. Simão sentia-se exaurido, mas também orgulhoso de seu feito. Não pela criança ou por Jonas, mas por saber que suas capacidades ainda eram inigualáveis. Deixou o quarto sem olhar para trás ou dizer qualquer palavra de carinho para seu neto mais novo. Não podia evitar aquele desgosto, o garoto em tudo lembrava ao pai, até mesmo na fraqueza de espírito. Seu nascimento foi uma tragédia e Simão nunca o perdoaria por vir ao mundo às custas da vida de sua filha.
O vampiro sentou no sofá e esperou. Era hora de reclamar seu pagamento. Quando Jonas reapareceu, sua expressão já denunciava o desconforto que sentia.
— Tem que haver outro jeito — disse, com a voz chorosa.
Já prevendo o que aconteceria a seguir, Simão se levantou e interrompeu aquele discurso desesperado.
— Nós temos um acordo — disse de maneira ríspida. — Se você pensar em quebrá-lo eu juro que entro naquele quarto e mato o menino agora mesmo.
Atordoado com aquela nova ameaça, Jonas engoliu sua dor e anuiu em consentimento. Deu as costas para Simão e foi buscar o tão cobiçado pagamento. Voltou à sala de mãos dadas com uma linda garotinha de cabelos dourados. Ela esfregava os olhos com a mão livre, claramente tinha acabado de ser acordada.
— Aqui está — o tom de voz do pai era puro rancor. — Está satisfeito agora?
Assim que pôs os olhos na menina, Simão sentiu um arrepio percorrer todo seu corpo. Fazia quase cinco anos que não a via, mas o fascínio que tinha por ela em nada foi abalado. Ficou feliz em notar que os anos só fizeram com que ficasse mais parecida com a mãe. Os olhos negros e os cabelos platinados eram exatamente iguais aos de Estela, mas a mais importante semelhança não podia ser vista por olhos comuns. A ausência do centro energético localizado bem abaixo do umbigo. Não havia dúvidas de que ela era uma vampira que só precisava do ritual para ter seu potencial inteiramente despertado.
— Ângela… — Ele sorriu e se ajoelhou para observá-la melhor. Sempre desejou tê-la ao seu lado, mas com a morte de Estela acabou se afundando no pesar. Agora iria pôr as coisas em seus devidos lugares e levar a garota para conhecer sua única e verdadeira família. — Você não vai dar um abraço em seu avô?
Um tanto desconfiada, a garotinha, que tinha nove anos, fitou o pai como se esperasse sua aprovação. Com um pouco de hesitação, Jonas deixou que se aproximasse de Simão.
— Os avôs não deveriam ser velhos? — Ela perguntou com curiosidade.
Assim que ouviu o questionamento, o rosto do vampiro se iluminou e ele deu uma alta gargalhada. Aqueles que conheciam bem sua reputação podiam contar nos dedos o número de vezes que cena semelhante aconteceu no passado.
— Eu sou um avô diferente — ele disse com a voz cheia de afeto. — Já vim visitá-la outras vezes, mas acho que não lembra de mim.
— Não lembro mesmo. Meu pai nunca falou de você.
Simão fitou Jonas, mas se conteve para não deixar transparecer o ódio que sentia. Não queria assustar a única pessoa que ainda tinha um espaço em seu coração.
— Seu pai e eu temos nossas diferenças — disse com cautela. — Mas somos ligados pelo imenso amor que sentimos por você.
Ângela baixou os olhos visivelmente envergonhada e Simão mal conseguiu conter seu sorriso, a cada instante a achava mais encantadora. Jonas, porém, parecia se retrair mais e mais com aquela conversa e as lágrimas já eram visíveis em seus olhos.
Percebendo o estado deplorável do pai da garota, o vampiro achou melhor se apressar. Sabia que sua neta nunca aceitaria deixar pai e irmão por livre e espontânea vontade. Era triste, mas ela tinha sentimentos fortes por aqueles dois inúteis. Então, o melhor a fazer era hipnotizá-la e depois, já em um local seguro, explicar os motivos daquele afastamento familiar. Sem perder tempo, ele a encarou e com facilidade tomou conta de sua mente. Ela podia ter o potencial para ser uma vampira, mas ainda era apenas uma criança sem nenhuma defesa ou treinamento.
Jonas percebeu tarde demais o que estava acontecendo. Apenas quando viu sua preciosa filha abraçar Simão, deu-se conta de que o vampiro tinha agido.
— Acho que é hora de dizermos adeus — seu ex-sogro carregou a criança e lhe endereçou um sorriso vitorioso.
— Você tem ideia do que está fazendo? — Jonas desabafou, tremendo de raiva. — Tem a mínima noção da dor que isto vai causar a ela?
Simão deu de ombros, fazendo pouco caso.
— Ela tem meu sangue, logo irá esquecer que um dia fez parte desta família infeliz.
Sem mais delongas, ele deu as costas para Jonas e caminhou até a porta.
— Foi você quem fez esta escolha — disse sem se virar. — Conforme-se com sua fraqueza e seja feliz ao lado de seu precioso Miguel.
Quando o vampiro foi embora, levando Ângela nos braços, o pai perdeu suas últimas forças e caiu de joelhos. Chorou alto, pois sabia que o futuro de sua filha seria nebuloso e que nunca mais a veria de novo.
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