Em 2016, tive a ideia vaga de misturar realismo fantástico com o clichê noir da mulher misteriosa que aparece na porta do detetive em busca de ajuda. A maior diferença é que essa personagem não estaria lá para procurar ou acusar alguém, e sim para investigar o próprio passado.Acabei engavetando, mas redescobri as anotações ano passado e decidi transformar o conceito em ficção científica, um gênero com o qual eu não tinha brincado muito até então. Na mesma época, minha fibromialgia piorou tanto que eu mal conseguia mover os braços, e acabei decidindo adicionar um novo elemento: o transhumanismo.
“Você Vai Lembrar de Mim” se passa em um futuro onde o cérebro humano foi mapeado e a ciência pode curar de forma artificial problemas neurológicos, vícios e transtornos como o estresse pós-traumático. Mesmo assim, algumas pessoas preferem não passar pelo tratamento. Minha vontade era escrever uma história onde, mesmo com essa tecnologia, muita gente não quisesse uma “cura”, seja por verem suas condições e memórias como parte de sua identidade, ou por não concordarem com o processo.
Não gosto de resolver tudo com elementos fantásticos ou científicos na ficção, nem de apagar a existência de pessoas com deficiência em um futuro alternativo. Como alguém que tem problemas similares aos dos dois personagens e sofre com vários tipos de dor crônica, a ideia é atraente, mas acabei chegando à conclusão de que eu também não gostaria de uma solução assim.
Apesar disso, o tema central é o trauma e como ele é registrado pela mente: o que lembramos em detalhes excruciantes, como no caso do Sebastián, e o que bloqueamos, como acontece com a Cacau. O próprio título é uma referência a isso, e o único momento da história onde Maria da Graça tem voz e dialoga com seu eu adulto, e não é só apagada ou escondida por ela mesma.
É aqui que todos as partes se encontram: o detetive, a mulher misteriosa, as memórias, e a ferramenta que na teoria conserta tudo, mas que ambos rejeitam ou parecem rejeitar. Juntei os ingredientes e mudei a localização para Buenos Aires, a cidade do meu pai e onde passei um bom tempo da minha infância e adolescência, e deu no que deu. O resultado foi uma história que, apesar do invencionismo, envolve temas profundamente pessoais para mim, e personagens pelos quais tenho muito carinho. Espero que tenham gostado como eu gostei de escrever!
A atmosfera Noir é notável! Espero ler mais contos de sua autoria!
A parte da ficção científica me lembrou um tantinho o livro “Flores para Algernon”, de Daniel Keyes, obra que eu acho fantástica também. Fiquei bastante interessado no trabalho da autora. Espero ler mais coisas dela.