Entrevista: Anna Fagundes Martino

Anna Fagundes Martino nasceu em São Paulo em 1981. Mestre em Relações Internacionais pela University of East Anglia (Inglaterra), teve trabalhos publicados em revistas como a britânica “Litro” e interpretados na Radio BBC World. No Brasil, publicou “A Casa de Vidro” e “Um Berço de Heras”, ambos pela editora Dame Blanche.​

O que me chamou a atenção em Mylène foi a linguagem solta, divertida, um belo contraste entre “A Casa de Vidro”, publicada pela Dame Blanche. Em qual estilo se sente mais em casa?

Escrevo mais fácil quando tenho personagens tagarelas na mão – eu sou a pessoa que adora escrever diálogos, então quando tenho a oportunidade de escrever algo mais coloquial, não perco por nada no mundo. Adoro situações cotidianas que, de repente, se transformam em algo absurdo – ou você ri ou você transforma a história num romance do Stephen King. Eu prefiro rir.

Por outro lado, eu também gosto de explorar outras maneiras de contar histórias, tentando conter minhas “tendências pé-na-porta” (para usar as palavras de um amigo meu) e usando outras ferramentas para lidar com esse absurdo que me é tão caro (e que é tão óbvio que acaba passando despercebido). Daí você tem coisas como a “A Casa de Vidro” e suas continuações (“Um Berço de Heras” e “Os Filhos do Pôr-do-Sol”, que sai ano que vem)​​. ​ A vida é muito curta para se prender a só um estilo de texto ou só uma temática.

Planos futuros para a família Silva MacAndrews?

Sim! A trupe toda (incluindo aí o capitão catalão e Claude, o marinheiro francês especialista em bouillabaisse) vai aparecer em um novo conto, que será publicado em dezembro pela Dame Blanche dentro de uma coletânea com mais cinco autores maravilhosos, explorando a ideia do Natal em diversas áreas da ficção especulativa.

Posso adiantar que a nova aventura dos Silva MacAndrews e seus associados envolve embarcações piratas, uma caixa com bolo de rolo roubada, um disco riscado da Céline Dion e uma competição de culinária. Juro que vai fazer sentido quando vocês lerem.

Você é um dos pilares da Dame Blanche. Em que ser editora influencia no trabalho como escritora?

Lidar com todo o processo por trás do livro (diagramação, capa, revisão) acaba te dando um outro ponto de vista sobre o seu trabalho. Escritores tem a tendência a achar que tem um “chamado” e que os livros saem pronto da cabeça. Obviamente, isso não acontece – mas a ideia de que só acontece conosco e não com os outros é suficiente para entrar em pânico e causar bloqueio criativo.

Editar os textos dos outros fez com que eu perdesse um pouco o medo do meu próprio trabalho – autores que eu considero maravilhosos também erram as vírgulas, ufa! Então dá para relaxar um pouco e me concentrar mais em produzir o texto e menos em deixá-lo perfeito logo de cara.

Como é o seu processo criativo?

Sempre penso na personagem primeiro – sou mais movida pelas pessoas do que pela trama em si. Sou inspirada por música na maior parte das vezes, mas também em livros ​ e poemas, em coisas que vejo no caminho para o trabalho. A partir da personagem, vem a história. Isso pode demorar um pouco. “Casa de Vidro”, por exemplo, me custou seis meses de idas e vindas, entre pesquisas e ensaios para ver por onde eu abordava a história.

Escrevo primeiro à mão livre (eu sou a Louca da Papelaria, tenho sempre caderno e uma coleção de canetas-tinteiro na bolsa) e vou montando e desmontando o cenário até achar algo que me agrada e que funciona. Depois, passo tudo para o computador (o processo é chato à beça e eu fico de mau humor por dias a fio por causa disso, mas compensa) e vou editando. Aquela regra clássica da segunda versão do texto que manda você cortar 10% do material nunca funciona comigo: eu sofro de resumite crônica (mal de jornalista) e minhas edições incluem mais texto ao invés de cortar.

Qual foi a fagulha inicial, a origem do conto Mylène?

Foi um “prompt”, um desafio de escrita que encontrei no Pinterest (tenho uma pasta só para isso) que dizia: “é isso o que acontece quando você é criado por piratas”. Foi impossível não ficar com coceira de criar algo. Pensa: como assim, criado por piratas? Em que capacidade? Filho? Aparentado? Piratas têm família? Como funciona isso?

Embora eu não seja a maior fã de histórias de piratas que existe, tudo o que tem a ver com os oceanos me agrada, então resolvi ver no que dava. Imaginei a coisa mais diametralmente oposta a um pirata – uma funcionária pública morando em uma cidade que não tem saída para o mar – e, bem, lá fui eu com a minha “tendência pé-na-porta”. Fui jogando todos os absurdos e opostos que poderia pensar e, dois dias depois, tinha a história pronta.

Mylène foi batizada em homenagem a uma das minhas cantoras preferidas, Mylène Farmer, que também adora criar universos fantasiosos em seus clipes e shows. A capa do meu disco preferido dela, Innamoramento, traz muito desse ambiente marinho que eu imaginei para a personagem. Já as figuras do Claude e do capitão catalão (o nome dele é Ferran, por falar nisso) ​foram inspirada​s​ no grupo de rock Soldat Louis, especializado em versões elétricas de canções de marinheiros.

No que mais tem trabalhado que pode nos adiantar?

Tenho duas histórias que, em breve, estarão nas livrarias eletrônicas mais próximas do seu browser. “Os Filhos do Pôr-do-Sol”, a última parte do ‘entretenimento botânico’ iniciado com “A Casa de Vidro”, vai ser publicada pela Dame Blanche no primeiro semestre de 2018.

E tem também uma novela completamente fora do universo fantástico, “Em uma Noite Como Es​ta”, que pretendo publicar em breve. É uma comédia de erros que se passa em um fim de semana muito louco – tem romance, drama, palavrões, um bar subterrâneo e um Fusca batizado em homenagem a uma lenda do rock, entre outros itens. Quem curtiu a linguagem mais solta dos contos provavelmente vai se divertir com essa história também.

Para quem gostou de seu conto, qual o caminho para acompanhar o seu trabalho?

Eu sou facilmente localizável no Twitter (@mistral_fm) e tenho uma newletter semanal, o Anna Dixit (tinyletter.com/annadixit).​

Author: rodrigovk

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