A principal inspiração para escrever ‘Nilsinho Pause’ veio da performance ‘Grafting’, do artista tcheco Petr Stembera (nela, Stembera tentou enxertar uma planta no próprio braço). A história desde o início foi concebida para ser sobre este personagem, um artista marginal, que, mesmo sendo um herdeiro extremo da body art, ainda assim é exaltado pelas instituições e pelo público. Esta era a situação inicial e, claro, eu sabia que o final precisaria ser catastrófico para haver uma história, uma punição pela hubris como nas tragédias gregas. Duas ideias vieram à minha mente: o conceito de green goo e a cena final de ‘Akira’, da transformação de Tetsuo. Pronto. Eu já tinha um personagem e um final.
Como sempre faço antes de começar a escrever, criei um arquivo de texto com aspectos gerais da história (qual o enredo, onde tudo se passa, dados sobre os personagens principais e uma ou outra cena). Também costumo realizar algumas pesquisas (no caso de ‘Nilsinho Pause’, busquei informações sobre xenotransplante, doenças de árvores e parasitismo). Boa parte dessas informações eu nem chego a usar no texto, mas elas servem para dar o mínimo direcionamento e induzir meu inconsciente a trabalhar com possibilidades (como não gosto de estruturar a história inteira, do início ao fim, cena por cena, o acaso é parte importante do meu método).
A partir daí a escrita fluiu facilmente. ‘Nilsinho’ foi um dos contos que escrevi mais rápido. Não apenas pelo fato de ser curto, mas porque não há necessariamente um enredo, mas uma série de cenas que se conectam de maneira frouxa. As primeiras cenas, por exemplo, servem apenas para apresentar Nilsinho e caracterizá-lo a partir da descrição de suas próprias obras. Eu poderia estender essas cenas indefinidamente até chegar no ponto trágico da história, mas me pareceu desnecessário. Queria um conto rápido, recheado de personagens e cômico. Por essa razão adotei o ponto de vista em terceira pessoa omnisciente, o que me permitiu cobrir um espaço de tempo maior e focar mais no estilo do que na história em si.
Sobre o ambiente. Apesar de Nilsinho ser famoso e ter circulado o mundo todo, eu queria uma história focada no Brasil. A cena que ocorre em MG, por exemplo, mistura elementos da minha vivência em Ouro Preto (estudei na UFOP) e um sonho que tive (em que vi aquele restaurante de escadas escherianas). Já o fato de Nilsinho ser baiano talvez tenha sido uma homenagem inconsciente ao Tropicalismo, e o fato dele ter nascido em Itaparica foi uma piscada de olho para João Ubaldo Ribeiro, um de meus autores favoritos.
Algo que me surpreendeu ao escrever ‘Nilsinho Pause’ foi o crescimento quase espontâneo da personagem Adelaide Bedu. Inicialmente eu havia cogitado que Nilsinho e ela seriam namorados, mas foi algo que descartei ao longo da escrita. Ela adquiriu uma personalidade tão forte quanto a de Nilsinho (talvez até mais), tornando-se tão autêntica e especial a ponto de ser a primeira personagem que criei (sem ser uma protagonista) a aparecer novamente em uma outra história que escrevi (‘O Eva Mitocondrial’). Assim como Saramago, eu não acredito que meus personagens tenham vida própria e sempre faço questão de mantê-los sob rédea curta. Bedu recusou essa imposição.