Tradução de Anna Martino
Talvez o que mais me dê saudade,
meu amor, é o jeito que cintilam teus olhos
na luz de mira do meu Winchester. Estas bolas de gude
em teu crânio são uma desculpa fraca para a precisão fatal
de tua íris à beira do cano. Tua beleza uma bala
que nem lampião poderia impedir, embora pudesse passar
o resto deste sono perpétuo galopando atrás dela
só para ver um fiapo da escuridão
em tuas pupilas
Mas o que há para se ver?
Pois nem na morte te deixei.
Você soa como um macaco
cortejando chamas que dançam xaxado
e você, mais que todos, deveria saber
o custo da palma queimada
de punho vazio.
Conheço apenas um preço e o preço é tu, bela.
Estar a teu lado neste lugar é um pouco mais que uma piada funesta
sendo que o sertão foi a aliança que te dei de casamento
e a caatinga o teu dote. Que tipo de amor
poderia ser comprado aqui com nossos lábios vazios
e nossos pescoços cosidos como um alforje?
Não tivessem cortado esta língua
eu cantaria as modas de nossa memória.
Deixar que ouça os doces sons da glória
em serenata aos fantasmas de nossos adversários
como um assobio agudo de Lugar
Diga-me, que glória tem um homem sem cabeça?
Cujo corpo mofa e tudo acima da goela persiste
para entreter os passantes? Tu não vê
como eles se riem com um braço estendido e
sorriso banguela?
Como nos chamam de criminosos? Não existe rememoração
de nossos atos. Só o excesso inchado
de nossos rostos deformados.
É verdade que estes corpos
são efêmeros, mas não há poder em um homem
que resiste muito além de seu último suspiro?
Nossos nomes ecoam nas escarpas da Serra do Araripe
até as ilhas de todos os santos. De que vale a lealdade em vida
se não podemos capturar corações na morte?
Corações só valem tanto quanto
O tostão do coronel ou o que o chumbo consegue comprar.
Não foi o que meu pai aprendeu quando a dívida foi cobrada?
Não foi como nos vimos cangaceiros, um bando de devedores
se recusando a pagar segundo as regras que nos escravizam?
E veja, mesmo agora parecemos pagar diariamente
com a repetição desta performance grotesca.
Quer homenagem maior a um cangaceiro que esta?
Crucificar-se nas mãos de Judas
para que a lenda de sua insubordinação soe sincera.
Se não consegue descansar em paz,
será que sabe mesmo
pelo que você morreu?