Gael Rodrigues tem 28 anos e é itabaianense (Paraíba). É bacharel em Direito, e apesar de ter odiado o curso, não se arrepende: é o que paga suas contas . Atualmente mora em São Paulo, capital, e tenta conciliar sua carreira no serviço público federal com o sonho de ser roteirista e o maior escritor do Brasil. Sim, ele sonha muito.
“O Empacotador de Memórias” é um conto que já ganha pelo título. De onde surgiu essa história?
Sou bem curioso em descobrir como se dá o processo criativo de outros escritores – uns sentam-se e ao começar a escrever uma ideia surge; outros tem insights ao longo do dia: o mínimo fato pode desencadear uma história, conto, às vezes um romance completo. Enquadro-me na segunda vertente. Às vezes me pego sorrindo só, quando algo corriqueiro ocorre e dali surge uma ideia…e corro para anotar em algum lugar, com medo de que a ideia que ‘veio do nada’ se vá sem maiores explicações. No caso do ‘Empacotador’ ainda tenho a lembrança fresca na memória. Em janeiro de 2011 eu vivia um momento especial em minha vida: eram minhas primeiras férias, no primeiro trabalho, na primeira viagem internacional. Estava, no dia 15 de janeiro (meu aniversário), sentado num banco do parque Güell (em Barcelona), com amigos e um sorriso que não cabia em mim. Em nossa frente, um cara começou a fazer bolhas de sabão. Bolhas gigantes. Uma delas, porém, me chamou atenção: demorou muito para se desfazer, e a nomeei de ‘a bolha mais velha do mundo’. E durante o período em que ela não explodia imaginei todo o conto, enquanto tentava imaginar minhas memórias presas nelas.
No conto, há um jogo muito interessante de linguagem ao mostrar o “Tom de 6 anos” acompanhando Tom a vida toda, até ser atacado pela solidão. Pode contar um pouco mais sobre essa figura?
Todos nós carregamos várias versões de nós mesmos durante nossa vida. Mesmo adulto, aquela criança insegura ou o adolescente rebelde, vez ou outra, dá as caras. Por vezes, essa tentativa de ‘retorno’ do eu-anterior se dá com mais frequência, seja por um trauma, um assunto mal resolvido, ou quem sabe por uma época subaproveitada. No conto, entrego que ‘Tom de 6 anos’ dorme dentro dele e por vezes ‘acorda’ quando aquela besta anterior também acorda. Todos nós temos essa besta – que nos lembra dos fatos nunca superados, da dor que nunca sara. O diferencial do Tom adulto é usar sua versão criança como companhia. Ao invés de tratá-lo como uma visita temporária, convida-o a passar a vida ao seu lado – engana a si mesmo, pensando enganar a solidão.
Há também o amigo, outra figura não-real que o livra da solidão. Por que um amigo imaginário?
Todas as formas que Tom encontra para não estar sozinho deixam-no mais isolado ainda. A sua escolha por estar acompanhado por seres que não existem materialmente (o Tom de 6 anos e o amigo imaginário) deve-se ao medo. Medo de perder outra vez um ente querido, como no início perdeu sua vó. Inicialmente, pensa que ao tê-los presos em sua cabeça não teria que lidar com novas perdas. Ao longo do conto percebe que nem sobre sua próprias criações há controle: mesmo os seres imateriais se rebelam, tomam forma própria e decidem seguir seu caminho. Se o amigo imaginário parecia uma escolha segura, torna-se um armadilha que cavou ainda mais sua solidão.
O conto trabalha uma ótica interessante sobre a natureza etérea das memórias, já que para revivê-las, as pessoas as perdiam para sempre. Você acha que um dia conseguiremos “empacotar memórias” e revivê-las?
Quando vi o cara, em Barcelona, fazendo as bolhas, eu imediatamente associei essa natureza etérea das memórias à fragilidade de uma bolha de sabão – como se fosse sua representação no mundo material. Mas para que materializá-las? Apesar de à primeira vista parecer um conto de ficção científica, o ‘Empacotador’ é um conto sobre nossa atual realidade. A senhora que quer lembrar do seu primeiro beijo, ou o próprio Tom que não consegue lidar com a ausência de sua vó – oras, ambas memórias estão ali. Fechando os olhos conseguimos sentir o cheiro, o gosto… porém não podemos tocar. Vivemos uma época tão materialista que ao irmos ao um show, percebemos que várias pessoas estão gravando ao invés de assistir. Elas viajam e têm mil e tantas fotos – iguais a tantas outras – enquanto experiências foram deixadas em segundo plano. Já estamos empacotando nossas memórias. Falsas memórias. Em breve, vamos associar o show ou a viagem que fizemos às gravações ou fotos que foram tiradas. Se antes uma foto servia pra lembrar de um momento divertido, e daí surgia toda uma recordação, em breve vamos olhar para a foto, e lembrar… da própria foto. Não vivemos aquele momento. Mas, ‘ao menos’ está ali, materialmente na sua mão. Uma memória empacotada.
Pode contar um pouco mais sobre o seu trabalho na literatura?
Sempre fui dessas crianças que encontravam fuga do mundo real no único lugar que parecia acolhedor e seguro: os livros. Mas não aquelas páginas de papel – e sim, aquele mundo em que as coisas se desenrolam e nos envolvem e quando você se dá por si, o tempo no mundo real já se esvaiu. Lembro de fazer mini livros, romances em forma de poesia, tentar enviar para TV ‘roteiros’ de programas. Nada como a inocência infantil que ainda não entende o mercado e não deixa que isso atinja sua criatividade. Porém cresci, e comigo foi crescendo a vergonha de expor as coisas que eu criava – queria me distanciar da imagem do ‘menino estranho que passava dias e dias lendo’. O resultado foi o arquivamento de muitas ideias, contos, blogs criados para logo serem deletados. Hoje estou mais à vontade com isso, tentando superar o trauma para, enfim, expor minhas criações. O lado bom de tantos anos de reclusão expositiva (mas não de criar) é que tenho material para anos e anos, sem me preocupar com crises criativas.
Há alguma coisa em que esteja trabalhando que possa nos adiantar?
Atualmente estou terminando meu primeiro romance. Não poderia estar mais feliz: é o primeiro projeto longo em que consigo me focar, e chegar ao final (assim espero). Pretendo, em alguns anos, poder viver apenas da literatura (projeto ambicioso para alguém que vive no Brasil).
Trata-se de um chick lit: Lana após inúmeras decepções amorosas decide não mais se apaixonar; é, misteriosamente, convidada a participar de um clube secreto, que, nos moldes dos Alcoólicos Anônimos, ajuda seus membros a nunca mais se apaixonarem; lá, eles também lutam contra um vício, o amor, e têm ‘passos’ a serem cumpridos. E por ser uma comédia romântica, claro, vão descumprir todos os passos. O nome provisório é Apaixonados Anônimos.
Fora isso, tenho uma coleção de contos, nunca publicados, no estilo do ‘Empacotador de Memórias’ – repletos de fantasia e realismo fantástico. Logo após finalizar o romance, vou reeditar e reuni-los. Não sei ainda se tentarei publicá-los de alguma forma, e-book gratuito, ou num site próprio.
Tem algo mais que você gostaria de contar nesta entrevista?
Dia 25 de maio fiz um ano morando em São Paulo. Até então morava na Paraíba. Quando passei num concurso público de abrangência nacional, decidi que era hora de testar novos horizontes ou de uma vez por todas, tornar meu sonho realidade – ser escritor profissional. Por ser escritor profissional, digo, viver disso, e somente disso. Nesse um ano, venho fazendo cursos de roteiro (espero um dia poder ter minha própria série na televisão), lendo como nunca, e tentando escrever nem que seja uma página por dia. Sinto-me cada vez mais próximo de me realizar e ver que aquele sonho de criança não era sonho, mas um prenúncio.
Quem se interessar pelo seu trabalho deve procurá-lo onde?
Em breve o site gaelrodrigues.com estará em funcionamento. Não gosto muito dessa automaticidade dos blogs, então estou reunindo meus contos e crônicas para colocá-los de uma forma mais organizada e literária (às vezes sou à moda antiga). Por enquanto, um contato direto seria pelo e-mail ohgaelrodrigues@gmail.com.
Ah sim… eh tao você ^^
Sucesso Júnior. Talento não te falta.
Parabéns!Vc merece tudo de melhor!!!