Entrevista: Enrico Tuosto

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Enrico Tuosto é pesquisador, escritor e rockstar fracassado, dividindo seu tempo entre os estudos e a escrita. Formado em Sociologia, passa grande parte do dia especulando sobre o comportamento e funcionamento da sociedade. Isso quando não está lendo com seu cachorro no colo ou vagando pelas ruas de São Paulo, onde reside atualmente. Escreve todos os dias e possui mais ideias do que tempo para escrevê-las.

“Velhas Pernas” é um conto que revela a verdade ao leitor apenas no final. Como foi escrevê-lo sem estragar a surpresa?

Para ser sincero, eu me surpreendi tanto quanto espero que os leitores se surpreendam. Eu não sabia que o velho era um robô até isso aparecer escrito na tela, e então tudo fez mais sentido para mim. Depois eu voltei no texto e o editei para ficar coeso dentro deste conceito, mas a princípio eu não tinha ideia de que o desenrolar da história seria esse. Escrever é assim às vezes. Acho que estes são os momentos mais gostosos para o escritor, quando ele se deixa surpreender com o que está escrevendo.

Um dos temas abordados no conto é a relação entre trabalho, realização pessoal e envelhecimento. Por que decidiu escrever sobre isso?

Eu olho para a forma como o mundo funciona em termos de trabalho e realização pessoal e vejo que, na maior parte dos casos, estes dois aspectos da vida não andam de mãos dadas. Numa sociedade ideal, o cidadão enxerga propósito no que faz, além de ter tempo livre para desenvolver outros interesses, pois o ser humano possui diversos propósitos. Isso é o que faltou na existência do robô: um equilíbrio entre suas aspirações e sua função na sociedade. E quando ele finalmente se viu livre das amarras que o prendiam, livre para seguir suas aspirações, percebeu que já estava velho demais. Isso acontece com muita gente na vida real. Nosso mundo ainda não é socialmente sustentável. Digo “ainda” pois acredito fortemente num futuro melhor.

Eu não “decidi” escrever sobre o assunto, no sentido de que não pensei sobre o tema antes de começar a escrever. A ideia simplesmente surgiu enquanto eu escrevia sobre este velho sofrendo para chegar em seu destino.

E de onde surgiu a história do velho? Como funciona seu processo criativo?

Eu estava voltando do trabalho, parado num semáforo. Uma velhinha estava parada na calçada oposta, esperando o fluxo intenso de carros velozes passar. Por algum motivo eu pensei “se ela tropeçasse ali, estaria morta em segundos”. Então cheguei em casa e comecei a escrever.

Meu processo criativo funciona assim. Eu tenho diversas ideias para histórias, que brotam na minha cabeça no mesmo fluxo que os carros passavam na rua. Anoto todas que consigo num aplicativo no celular ou num papel, se eu estiver sem meu celular, e depois as passo para um caderninho só de ideias. Não são coisas elaboradas. Por exemplo, “personagem olha pelo retrovisor e vê um alien dirigindo o carro de trás”. Eu pensei nisso em algum momento no passado e anotei. Meu papel como escritor agora é descobrir o que acontece com o personagem dentro desta situação, e isso eu costumo descobrir só depois de começar a escrever. Raramente minhas ideias surgem com um personagem, mas sim com uma situação. Isso me faz escrever diversos gêneros, desde ficção científica à romances de colegial.

E para manter as palavras e ideias fluindo, eu escrevo (quase) todos os dias. Funciono apenas assim, não posso ficar muito tempo longe da página em branco.

Outro tema que você destaca é o limite da experiência humana, ou o que fazer quando já se absorveu tudo que o mundo tem para oferecer. Na sua opinião, vale a pena continuar, parar ou começar tudo de novo, como se fosse a primeira vez?

Para manter minha resposta curta, diria que não sei. Acho que ficaria tão indeciso quanto o velho. Mas talvez Stephen King esteja correto: “existem outros mundos além deste”. Então parar é sempre uma opção. De qualquer forma, espero não viver até o ponto que um “implante de experiências” seja possível.

Falando em Stephen King, quais escritores te influenciam? E o que mais, além de literatura, te inspira?

Meu escritor preferido é o Stephen King, mas eu leio de tudo um pouco. Atualmente estou surpreendido com as histórias de Thomas Ligotti. Minha profissão exige que eu leia muito mais do que apenas ficção, então me inspiro também em livros e ensaios não fictícios. Além dos livros, música, jogos e filmes são outra grande fonte de ideias.

Escuto de tudo. Nos últimos dias estou completamente viciado em Nine Inch Nails e Tom Waits. Em The Airborne Toxic Event e The National também, além dos tupiniquins do Matanza. Mas realmente escuto de tudo. Ainda penso em reunir minha banda do colegial um dia (sou um rockstar fracassado na verdade, rs).

Meus jogos preferidos são os da série Fallout. Também gosto muito do universo O Mundo das Trevas (rpg de mesa). Meus filmes preferidos são muitos, mas consigo pensar em dois no momento: Caché, dirigido por Michael Haneke, e Donnie Darko, dirigido por Richard Kelly. E viver também me inspira, assim como inspira todos nós. Deste ato que surgem as ideias boas de verdade.

Qual conselho sobre a escrita você daria à si mesmo se pudesse voltar no tempo?

Apenas um: mais escrita e leitura, menos Civilization. Maldito jogo! rsrs.

No que tem trabalhado? Existe algo planejado para o universo de robôs filósofos de “Velhas Pernas”?

Estou sempre escrevendo contos e atualmente batalhando com dois romances (um de fantasia, outro de suspense ou terror, ainda não descobri). “Velhas Pernas” é minha primeira publicação e no momento não tenho ideias de desenvolver mais este universo, mas espero publicar mais contos num futuro próximo. Tenho vários arquivados, alguns bons, outros nem tanto.

Onde podemos te encontrar?

Escrevo alguns artigos sobre o ato da escrita no Scribe (wescribe.co/u/enrico-tuosto/profile) e publico diversas fotos do meu cachorro no Instagram (instagram.com/verybadwizard). Quem quiser compartilhar um pouco do que me inspira, pode me seguir no Tumblr também: lookingformyownname.tumblr.com.

Para quem quiser entrar em contato, me envie um e-mail no tuosto.enrico@gmail.com.

Author: Enéias Tavares

Enéias Tavares, o criador da série literária Brasiliana Steampunk, nasceu em 1881 e desapareceu em 1912, logo depois do temível doutor Louison escapar do Asilo São Pedro para Criminosos Insanos e Histéricas Descontroladas. Em 2012, ressurgiu como um especialista em Shakespeare e William Blake e professor de literatura clássica na Universidade Federal de Santa Maria. O que aconteceu com ele nesse hiato de um século? Ninguém sabe. Nem o próprio!

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