Gerson Lodi-Ribeiro publicou as noveletas na Asimov’s brasileira: Alienígenas Mitológicos e A Ética da Traição. Autor das coletâneas Outras Histórias…; O Vampiro de Nova Holanda; Outros Brasis; Taikodom: Crônicas eAs Melhores Histórias de Carla Cristina Pereira, e dos romances Xochiquetzal: uma Princesa Asteca entre os Incas e Aventuras do Vampiro de Palmares. Seu romance A Guardiã da Memória foi vencedor do Prêmio Argos de Melhor Romance em 2012. Criador do universo ficcional Taikodom. Antologista de Phantastica Brasiliana; Como Era Gostosa a Minha Alienígena!; Erótica Fantástica 1; Vaporpunk; Dieselpunk; Solarpunk e Super-Heróis.
Quais foram suas inspirações para abordar temas como solidão e imortalidade, mesmo que brevemente, nesse último conto?
Basicamente, imaginei que a imortalidade sem companhia constituiria uma experiência tediosa. Uma coisa é viver numa sociedade na qual a maioria dos cidadãos é imortal ou, colocando de outra forma, a imortalidade é uma questão de escolha. Agora, essa temática, relativamente comum na ficção científica, da imortalidade como experiência solitária, daquele ser único que assiste seus entes queridos partirem da vida um a um, enquanto ele permanece imutável, velando pelo destino da humanidade, sempre me soou algo apavorante, quando você se coloca no lugar desse imortal.
Você é um ótimo “articulador de palavras”, digamos assim. Vimos muitas coisas interessantes no seu texto, como a criação de verbetes completamente novos. Como foi o processo de empregar essas palavras na narrativa?
A ficção científica é um gênero que se caracteriza não apenas pelo emprego de neologismos, mas, sobretudo, pela tradição de seus autores compartilharem esses neologismos entre si. De fato, em “Rendição do Serviço de Guarda”, eu criei alguns neologismos. Mas a maioria dos neologismos que usei foram criados por outros autores, como “xenologista”e “ciência solariana”. Como é empregar essas palavras no meio do texto? Bem, esta é uma prática algo comum entre vários (mas não todos) os autores de ficção científica. Dependendo do tipo de narrativa, emprego mais ou menos neologismos.
Quais foram os neogologismos que você criou em “Rendição do Serviço de Guarda”? Qual foi o processo para encaixa-los de modo palpável na narrativa?
Alguns exemplos de neologismos: “holotanque” (apropriado); “Guerra Natural” (criado); “gravitosfera” (criado); “humanólogo” (criado); “Liga das Espécies” (apropriado); “hipercom” (apropriado); “solariana” (apropriado); “gerente-de-bordo” (criado); “programa-mestre” (apropriado); etc. Procuro encaixar esses neologismos dentro da narrativa da forma mais natural possível, de maneira que eles façam sentido para o leitor através do contexto. Ou seja, embora se tratem de palavras novas, a princípio desconhecidas ao leitor, devem fazer sentido, se não imediatamente, então, pelo menos, ao longo da leitura. Claro que boa parte desses ditos neologismos constituem parte de um jargão compartilhado por autores e leitores de ficção científica, sobretudo do subgênero FC hard. Com o tempo, leitores afeitos a tal subgênero adquirem proficiência considerável nesse tipo de jogo.
Você também usa um vocabulário um pouco rebuscado, que nos dá a sensação de trazer o leitor para dentro de de um jogo entre ação e inércia (algo que lembra vagamente alguns livros da Ursula LeGuin, inclusive). Você planejou produzir esse efeito?
Sinto-me feliz que meu texto tenha lembrado dos trabalhos da LeGuin, mesmo que vagamente. (risos) Mas, não. Não planejei esse efeito. Ao menos, não conscientemente. Procurei contar a história que pretendia contar o melhor possível. E, ao transcrever essa história como texto impresso, tentei empregar as palavras e frases mais precisas possíveis para fazer com que o leitor visualizasse a narrativa.
Como você criou os nomes dos personagens? De onde eles vem? Principalmente o Krezstul.
Krezstul é meio óbvio, se lembrarmos os papéis históricos que ele desempenhou. Agora, de maneira geral, procuro escolher nomes de personagens que sejam significativos para mim, esperando que se tornem também significativos para o leitor.
Como você fez a pesquisa para escrever sobre e descrever os acontecimentos históricos remontados nos contos?
No caso específico deste trabalho, escrevi o primeiro rascunho direto, sem grandes pesquisas, só com o conhecimento histórico que eu tinha na cabeça. Claro que isto me levou a cometer uma série de erros. Na primeira vez em que reescrevi o rascunho, para transformá-lo em algo minimamente legível, pesquisei as questões específicas relevantes de História para a narrativa e implementei as mudanças e correções necessárias.
Você costuma ler muita ficção fantástica? Quais são seus autores favoritos, nacionais e internacionais?
Sim. Leio muito, e mais da metade dos livros que li até hoje foram de literatura fantástica. Sem me estender muito, alguns dos meus favoritos são:
Lusófonos – Antonio Luiz da Costa; Carlos Orsi; Fábio Fernandes; Flávio Medeiros; João Barreiros; Jorge Candeias; Luís Filipe Silva.
Estrangeiros – Charles Stross; Clifford D. Simak; Gene Wolfe; Harry Turtledove; John Varley; Octavia Butler; Philip José Farmer; Robert Sawyer; Robert Silverberg; Ted Chiang.
Quando e onde você costuma escrever? À mão, no computador, sentado em um café, em casa, no final do expediente…?
Escrevo sempre que possível. Em todos os lugares que puder. Em casa, em viagem, na rua. Normalmente escrevo de manhã, antes de ir para o trabalho e à noite, depois de voltar para casa. O primeiro rascunho é sempre à mão. A partir do segundo, digitado no micro. Em geral, a primeira revisão e a segunda são as que produzem mais mudanças e correções. A partir daí, nas revisões posteriores, há menos coisas a mudar. A não ser quando o editor propõe mudanças ou você decide transformar o conto de algum modo, aumentando ou diminuindo o tamanho, mudando o ponto de vista, alterando o foco narrativo, modificando a personalidade de um personagem. Nesses casos, é preciso reescrever quase tudo outra vez.
Como você ficou sabendo da Trasgo? O que você acha do cenário atual da literatura fantástica, e não só de ficção científica, no Brasil?
Um amigo comum me colocou em contato com o Rodrigo van Kampen, editor da Trasgo, que gostou do meu conto “O Voo do Ranforrinco”, publicado numa das últimas edições do Somnium e me perguntou se eu não teria textos do mesmo tipo para a revista. O cenário atual da literatura fantástica brasileira é promissor, ao menos em comparação com o que havia antes de 2009. Contudo, a ficção científica em si é atualmente uma espécie de “patinho feio” do fantástico nacional.
Como a sua carreira acadêmica contribui para sua carreira literária? Você se vê como um escritor privilegiado tendo suas graduações nas área de Ciência e Engenharia?
De fato, duas graduações em ciências exatas ajudam um pouco a escrever o tipo de ficção científica que eu gosto de produzir. A coisa flui mais naturalmente, sem que eu precise quebrar a cabeça pesquisando muito para a construção do universo ficcional em si. Por outro lado, convém lembrar que há diversos escritores de FC hard excelentes que não possuem formação acadêmica nas exatas, como, por exemplo, Greg Bear, Harry Turtledove, etc, que suprem essa pretensa “deficiência” com pesquisa. Em resumo, o mais importante para criar verossimilhança é fazer seu dever-de-casa direitinho. Sei disso porque em história alternativa – o outro subgênero da literatura fantástica em que milito – preciso ler e pesquisar um bocado para criar meus universos ficcionais. Mas é um trabalho que faz parte do processo e que vale a pena.
Você encontra mais sobre o Gerson Lodi Ribeiro no Twitter: @gersonlodi e no blog Crônicas da FC Brasileira: alternative-highwayman.blogspot.com.br/.