“Você lembra quem você é?”
Todas as noites aquela pergunta ressoava em sua cabeça. A pergunta, que adormecia durante o dia, lembrava de acordar após Tom conseguir, a muito custo, dormir. Ela espreguiçava-se acompanhada de um rugido, e como uma besta só descansava quando o garoto acordava. Acordou e levantou-se num sobressalto.
Era apenas um garoto de seis anos àquela época. Já tinha um quê de solidão, mas, acompanhado da avó, ainda possuía todas as cores com as quais havia nascido.
“Ela está perdendo a memória. Esses lapsos vão deixar de ser lapsos… e se tornarão a vida dela.”
Enquanto a enfermeira explicava a situação para o tio, o garotinho, entre as frestas da porta, observava a velha sentada na cadeira. Absorta no nada. Mergulhada no silêncio. Ele não entendia a conversa, apesar de sentir a densidade pesada que ela produzia no quarto.
O corredor enchia-se das bolhas que Tom, inadvertidamente, ia soltando atrás da porta. Elas eram frágeis e estouravam ao menor contato com a parede. Às vezes, sem algum causador aparente, explodiam, como se deixassem de existir por uma escolha própria – um suicídio de bolhas. Sem barulho algum, se desmanchavam. Sem dor, sem reclamação. Sua avó, sentada ali na cadeira, sem reclamar, parecia tão frágil. Era como uma bolha de sabão na iminência de deixar de existir.
Há poucos anos, Tom era Tom-o-orfão, Tom-o-coitadinho, Tom-como-irá-viver-sem-os-pais. A avó, Eunice, tomou para si a responsabilidade de criá-lo. O que parecia responsabilidade, na verdade, seria sua salvação. Depois de sua viuvez, e somada à morte repentina de sua filha junto ao seu genro, ter Tom ao seu lado seria uma forma de manter a lucidez, fugir da solidão.
A solidão era um buraco negro que pouco a pouco ia se apoderando de tudo a seu redor. Como um fantasma guloso, devorava todas pessoas ao redor de Eunice. No fim da tarde, a solidão estava ao seu lado para tomar chá das cinco. Ela não tinha outra opção senão servi-la com sua melhor louça. Num dia, enquanto mostrava seu aparelho de porcelana, aproveitou que a solidão olhava de perto um bule, e a prendeu lá dentro. Era a chance que tinha de criar Tom. Ele não seria engolido. Não enquanto ela estivesse viva.
Agora, ali sentada na cadeira, talvez pensasse sobre algo. Mas seus olhos só refletiam o vazio.
Tom entrou devagar pela porta ainda fazendo bolhas de sabão. A enfermeira ainda conversava com seu tio. O rosto dele era um misto de preocupação com preocupação.
Ficou em frente de sua vó. Os olhos vazios dela não conseguiam refletir o neto. Ele era novo demais para perceber que, apesar de enxergá-lo, ela não o via. O vazio havia se apoderado dela, e isso não era culpa de Tom. Apenas a forma dela estava a sua frente. E foi essa carcaça que ele chamou para brincar.
“Faz bolhinha comigo, vovó!”
A conversa entre a enfermeira e o tio parou.
“Vamos brincar.” Enquanto tentava reanimar a carcaça, como se com seu toque insistente, iria tirá-la de seu transe.
Tirou.
“Quem é você?”
Aquilo o matou. Era como se o vazio tivesse utilizado suas armas mais potentes contra uma criança frágil e indefesa. E, aos seis anos, não havia como não ser frágil e inocente. Naquele momento fora pintado de cinza. Dos seus olhos brotou água. O menino cinza chorava. A água escorria por aquelas cinzas e ia desmanchando-o. O tio ainda tentou tirá-lo do quarto, porém o braço de Tom se dissolveu ao toque.
Ele era muito criança.
Como ela não conseguia lembrar dele?
“Sou eu, vó.”
Foi se desmanchando.
Bolhas de sabão, persistentes, sobrevoavam seus restos.
Acordou e levantou-se num sobressalto. Apesar das lágrimas, se tocou levemente, e percebeu que estava inteiro e com cores.
A frase da avó ressoava por todo o quarto. Batia na porta, no armário, no chão. Invariavelmente, voltava e o atingia. Queria um escudo para se proteger, mas suspeitava que qualquer escudo seria inócuo. Tom agora era um rapaz de quinze anos, mas suspeitava que o Tom de seis anos continuava lá dentro. Sem vontade de fugir. Dormia junto à besta – a besta que insistia em acordá-lo, como que se protegendo de toda a tristeza que sofreria se viesse à superfície.
Ele não era o mesmo. O Tom de quinze anos era um assassino de gatos – mas sua intenção não era matá-los. O que queria na verdade era transferir o que estava na cabeça dos bichanos para outro recipiente. Não o cérebro – a memória deles. Desejava no fundo de seu coração que, ao fim do experimento, o gato saísse miando, vivo, feliz, enquanto ele veria suas memórias.
Infelizmente, eles caíam duro, ali, em sua frente. Ele sofria com aquelas perdas, mas na sua cabeça, no momento em que conseguisse seu objetivo, tudo seria relevado.
Os gatos iam morrendo.
Até aquele dia.
Tom de seis anos entrou pelo quarto. Fazia bolhas de sabão. O quarto enchia-se delas, bolhas para todo o lado. Tom de quinze anos o observava, e, sem perceber, engoliu uma bolha.
Quando a ideia surgiu, abriu a boca abismado, e de lá saiu a mesma bolha, intacta.
“Você não pode estar falando sério.”
Seu melhor amigo era de um ceticismo incrível. Talvez, pelo fato de ser cúmplice no assassinato de tantos gatos. Claro que ele não saberia que seria essa a vez que daria certo. Porém, Tom sabia por causa da bolha.
O amigo era o responsável por trazer as cobaias. Pela vizinhança, ia coletando gatos. Primeiramente os bichanos de rua. Deixava um pouco de comida para eles, e logo depois dava o bote. Em pouco tempo a notícia se espalhou entre os gatos da região, o que os fez pararem de passear por lá. Eram uma classe unida.
“É uma rua amaldiçoada”, os gatos mais sábios avisavam para os mais jovens. Como eram jovens, continuaram a ir, até que não sobraram gatos jovens para não seguir conselhos.
Sobraram, então, os gatos das casas.
“Não, o gato da vizinha não dá.”
“Claro que dá. Anda, essa é sua única tarefa.”
“Pega seu gato então.”
Ele, mesmo chateado, sabia que no fundo era seu papel. Era o catador de gatos. Fora destinado a isso e não podia reclamar. Tom era seu único amigo.
“Catito, cadê você?”, choramingou uma dona aflita, enquanto Catito estava com a mordaça a caminho da casa de Tom. Em meia hora ele estava desacordado. Nunca mais acordou, na verdade.
De sua boca abismada saiu a mesma bolha, intacta. Sabia que ali estava sua solução.
“Cadê o gato?”
“Não tem mais gatos na vizinhança.”
Não era possível. Logo agora que encontrara a solução. Teria que resolver rápido. Não podia desistir. Não agora.
O amigo esperava no quarto quando Tom abriu a porta. Não acreditou no que viu.
“Você tem certeza disso?”
Tom segurava seu próprio gato no braço – o bichano que o acompanhava desde criança. Era um ato desesperado. Seu rosto apreensivo não trazia resposta, porém conectou o gato aos fios. Na outra ponta colocou um balde, cheio de água e sabão.
O amigo suava nervoso.
Tom sabia que daria certo – a bolha não deixava dúvidas.
Ligou a eletricidade.
O amigo estremeceu.
Do balde saíram bolhas.
O gato ficou inerte.
Tom estava gélido.
Havia dado errado.
Ouviu um miado.
Olhou para o gato. Ainda estava inerte.
Outro miado.
Se deu conta das bolhas pelo quarto. Elas espalhavam-se por todo o ambiente. Uma tocou a parede… e ouviram-se miados.
O gato continuava inerte no chão, enquanto sua memória sob a forma de bolhas estourava pelo quarto.
Tom e o outro saíram enlouquecidos estourando todas as bolhas, e mais miados iam ressoando. Brigas de gatos. Conversas de gato. Ouviu sua voz falando com o gato. Conseguiu: havia transferido toda a memória dele para aquelas bolhas.
Quando terminou, toda a água e toda memória já havia evaporado. Sentaram, cansados de uma maratona de tantos anos. Ele ao lado de seu amigo. Amigo. Repetia a exaustão essa palavra de forma que ela havia saído do mundo das ideias e tornara-se palpável – e ofegava junto a ele.
Mais um miado – mas não de bolhas.
O gato levantou-se. Sem entender o que se passava, saiu.
O tio, atraído pelo barulho no quarto, entrou sem bater – não tinha noção do que seria privacidade, assim como todos os outros adultos. Deparou-se com Tom sentado sozinho no chão, ofegante. Pensou ter ouvido ele falando com alguém. Esse menino não é normal, pensou ao fechar a porta.
“Calma, ele não pode te ver”, disse para o amigo.
“Queria ver meu primeiro beijo…”
Tom de seis anos brincava na sala. Ia por todo o cômodo fazendo bolhas. Tom de 20 anos o observava, sentado em frente a sua mesa. Usava roupa branca, como se fosse um médico, um homem respeitável. Uniformes faziam isso pelos adultos.
Lá fora outras pessoas faziam fila, a fim de poderem ver suas lembranças mais uma vez, nas famosas bolhas de Tom – sim, ele havia alcançado a fama.
“Tão jovem e tão inteligente.”
“Não vejo a hora de poder rever a minha mãe ainda viva.”
“Me disseram que ele é louco.”
“O primeiro beijo que dei no meu primeiro e único homem.” – a senhora confidenciou ao homem que ela conhecia da televisão – porém, aparentemente, ele estava perdido em devaneios.
Ele acordou do seu transe. Tom já estava dentro de Tom. À sua frente estava uma senhora de uns 80 anos. Ela tagarelava sobre seu marido, morto há alguns anos, com um sorriso saudoso.. Os olhos ainda vivos e um cérebro, até onde acreditava, lúcido. Havia visto o comercial das bolhas de memória e apressou-se em reservar sua vaga.
“Foi o momento mais lindo da minha vida…”
Tom não tinha namorada. Vivia tão só. Era tão estranho. Era tão inteligente. Vivia tão só. Era até bonito. Vivia tão só. Só tinha um amigo. Ainda tinha um gato. Nunca havia beijado. Vivia tão só.
“Coloque isso nela, por favor”, falou para seu amigo.
Tom fixou os conectores na testa da velhinha. Ela estranhou o fato dele dar ordens para si mesmo, mas lembrou de sua fama de louco – o que não seria nenhum problema desde que sua memória entrasse na bolha. Já com os conectores e o balde com água e sabão na outra extremidade, esperava de olhos fechados como numa oração.
“Pense no dia do seu beijo.”
Ligou os disjuntores. Lá fora, no corredor, as luzes apagaram e acenderam, junto a um barulho de choque.
“Não é nada”, avisou a atendente, enquanto os clientes se entreolhavam apreensivos.
Dentro da sala, uma bolha enorme ia se formando. A senhora abriu vagarosamente os olhos e encantou-se com o que pairava em sua frente. Medo e curiosidade se fundiram. Sabia que não era uma bolha normal. Era a sua bolha.
Via algo lá dentro. Sim, precisava olhar com mais cuidado. Isso. Seu primeiro beijo estava na sua frente. Lágrimas rolavam em seu rosto enrugado. Aproximou-se. Seu velho estava lá dentro. Só que jovem. Ela também estava, linda e exuberante. Chegou mais perto. Tinha que chegar mais perto. Tinha que tocá-lo mais uma vez.
E tocou a bolha.
Ela estourou.
“Te amo.”
“Quero viver com você pra sempre.”
Tom ouviu a memória da senhora.
Atordoada com a explosão, olhou para o louco de branco. Meio desnorteada, sorriu e sentou-se na cadeira.
“Bom dia, doutor. Eu vim colocar uma memória na bolha…”
Titubeou. Não lembrava do que seria, apesar do esforço mental.
Nunca mais se lembraria do seu primeiro beijo.
Tom havia desistido das bolhas. Elas eram frágeis demais. Precoces demais. Um fascínio profundo que se desmanchava no ar. As pessoas iam perdendo suas memórias para sempre.
Não era seu propósito.
E por 15 anos trancou-se com seu amigo para achar uma solução para aquele imbróglio. Achou. Só não esperava que, ao decidir usar as caixas de papelão para guardar as memórias, seu amigo fosse se rebelar.
“Me recuso a ser um empacotador.”
Defendia ele que seria como aprisionar as memórias. As pessoas iriam se apegar a elas, como uma criança que mantém um brinquedo novo numa prateleira e nunca o usa. Ele não teria serventia nenhuma. Sua arte e ciência iam se tornar mero objeto.
O amigo então arrumou suas coisas, suas poucas coisas, e saiu. Não necessariamente saiu. Evaporou seria a palavra certa. Com os gritos de Tom, defendendo seu ponto de vista, ele foi se dissipando pouco a pouco. Tom decidiu nunca mais citar o nome dele novamente. Percebeu que, na verdade, não sabia seu nome – isso facilitaria as coisas.
Reabriu o negócio.
O Tom das bolhas tornou-se o empacotador de memórias e logo seu nome voltou a ser lembrado. Mais do que nunca falava-se sobre ele. As filas davam a volta no quarteirão. Todos queriam ter suas memórias presas numa caixa – ficariam ali ao seu lado, como prova física de algo que acontecera. Um bicho de estimação que devia ser vigiado para não fugir. Um brinquedo que nunca seria usado…
“Eu quero que minha filha se lembre de mim, depois que eu for embora…depois que eu for embora é uma forma bonita de dizer que vou morrer em breve.”
Um homem de uns 50 anos contava sua história, enquanto Tom ouvia impacientemente. Pensava que não podia mais ter filhos, porém sua esposa estava grávida. A felicidade durou pouco (assim como todas as felicidades): havia descoberto um câncer em fase avançada. Queria que sua filha um dia pudesse ver o pai saudável. Não em vídeo. Não em fotos. Queria que ela o visse, assim como era. Queria empacotar suas memórias e entregar como presente de 15 anos à filha.
E assim foi feito. Assim como aos outros clientes, Tom recomendou na saída que a caixa não fosse aberta em hipótese alguma. Alertou que, se aberta, as memórias tomariam conta do aposento, assim como um perfume que rapidamente se espalha, mas, também rapidamente, se esvairiam, para nunca mais voltar.
Ver ali ao lado a caixa se mexendo, como que guardando um pequeno monstro pedindo para ser libertado, e manter-se impávido era (como você pode imaginar) humanamente impossível. Os humanos tendem a pular do precipício só para ter certeza que estão vivos – e ao se esborracharem no chão, morrem com um sorriso no rosto de quem estava com a razão.
Eles eram humanos e aquela caixa cheia de vida ativava sua curiosidade. Do lado de fora dela ouviam-se sussurros, o que tornava a missão de não a abrir mais complicada ainda. Por fim, sem mais suportar aquele comichão, ela estava aberta – as memórias nunca iriam retornar, como alertado pelo ‘empacotador louco’.
Muitas vezes a pessoa guardava, inadvertidamente, a caixa num lugar acessível demais e alguém, sem culpa, a abria. Algumas vezes o faziam propositalmente. Era comum histórias de crianças que, por descuido, abriram a caixa de memórias dos pais e não tiveram boa experiência com aquela visão. Lembravam de alguns gemidos indecifráveis.
Outros clientes eram céticos. “Pela lógica”, alertavam, “se eu abrir a caixa, verei a memória e criarei automaticamente uma nova”. E abriam suas caixas. Para seu azar, ninguém lembrava do que havia lá dentro. Nem se contassem antecipadamente para alguém. Tudo se esvaia, como se a vida não coubesse nas mãos e escorresse por entre os dedos.
Tom não aguentava mais aquilo.
Não era seu propósito.
As filas continuavam.
Mas não era seu propósito.
Não se via como um empacotador, mas um apagador de memórias.
Ele era apenas destruição.
Mais uma vez se afastou de tudo.
Ele estava com fome. Tom de seis anos brincava pela sala de jantar. Tom de cinquenta anos o admirou. Nunca envelhecera. Mantivera-se naquela brincadeira infinita de soltar bolhas de sabão. Tom-ex-empacotador ia envelhecendo. Apodrecendo aos poucos. Os galhos caindo enquanto andava moribundo.
Lembrou da vó do menino. Eunice. Lembrou que sempre chamava o garotinho para tomar chá ao entardecer. Era o remédio dela para a solidão, hoje conseguia perceber. Como um chá de bonecas, toda tarde se reuniam, mesmo que sem palavras. Só a companhia bastava aos dois.
A lembrança trouxe de carona a fome. Tomaria o chá, como nos tempos antigos – pensou, entremeado a um sorriso bizarro.
Procurou as louças antigas de dona Eunice. Tirou a poeira que as encobria. Esquentou a água. Preparou o chá. O chá estava pronto. Iria colocá-lo no bule.
O bule.
Não se deu conta que o bule vibrava sutilmente. Mexia como se houvesse algo querendo fugir. Algo queria fugir.
Ao abrí-lo, a solidão saiu lá de dentro. Olhos arregalados que se fecharam ao contato com a luz depois de tantos anos. A boca estava aberta. Muito aberta. Ela estava com fome. Muita fome. Tantos anos aprisionada só fizeram dela um sentimento pior.
Tom colocou o chá no bule sem se importar com o convidado inesperado. Tomou seu chá calmamente – não havia o que temer.
A solidão, então, foi engolindo o que via pela frente.
Tom de seis anos foi o primeiro a sucumbir. Dele sobrou apenas o brinquedo de fazer bolhas, jogado no chão. Depois de tantos anos perambulando por aquela casa, era hora do pequenino descansar.
Ela continuou seu trabalho. Engoliu objetos, memórias quase apagadas que percorriam os corredores. Procurava em cada cômodo algo esquecido – as coisas esquecidas eram as mais deliciosas. Porém a fome era tanta que mesmo o que ainda era lembrado foi vítima de sua ira faminta. Não havia motivos para deixar algo em pé naquela casa.
Lembrou que sobrara algo.Voltou para a sala. Fitou Tom, já velho. Parecia abatido. Sozinho.
A solidão abriu a bocarra.
Tom a fitou com seus olhos tristes. Ela parou, assustada. Ele era um vácuo profundo. Infinito.
Sem que ela pudesse reagir, ele a engoliu.
Tudo ficara silencioso.
Viu o brinquedo de fazer bolhas no chão. Por algum motivo (ou mera displicência) aquilo sobrara. Pegou e sentou-se na cadeira que antes pertencera a avó. Foi fazendo bolhas. Muitas bolhas. A casa encheu-se delas. Era como se os velhos e bons tempos estivessem de volta.
Ao tocar as paredes, ouviam-se sussurros. A voz era a mesma. A voz dele. Sempre só. Não ouvia a voz de um amigo, de uma namorada, de outro ser humano.
Suas memórias foram se esvaindo.
Tom ficou sentado naquela cadeira por mais algum tempo.
Ela acabara de completar quinze anos. Para aquele momento tão especial sua mãe sabia o que fazer. Com lágrimas nos olhos e uma caixa na mão, foi acordar a filha.
A mãe entregou a caixa que o marido havia preparado há quinze anos, antes de morrer.
A caixa tremia ansiosa por se mostrar.
A menina olhou para a mãe procurando alguma resposta. Entre lágrimas e meio sorriso, fez um sinal com as mãos de ‘vá, abra!’. Curiosa, afinal assim são as meninas de quinze anos, abriu.
Ali na sua frente estava seu pai.
Era o dia mais feliz de sua vida.
Precisava agradecer ao empacotador de memórias.
Conhecendo Gael a muito tempo, e sabendo do seu potencial, não tenho dúvida que ele será o maior escritor do Brasil.
Inacreditável de tão lindo e tocante esse texto! Parabéns ao meu amigo Gael!