Aquilo que nos torna únicos

Eis a questão!

Afinal, somos aquilo que nos lembramos, nossas recordações e memórias,ou o que nos faz ser quem somos são nossos impulsos e desejos?

Por trás de uma não-convencional perseguição policial em “A PolíciaFantasma” está uma questão bem mais profunda.

Apegamo-nos a nossas lembranças como um afogado ao bote salva-vidas.Queremos dar sentido ao que fazemos levando em consideração o quetrazemos conosco, sem percebermos que nossas memórias não são algoimutável. Elas movimentam-se e se modificam em nossa psique à medida quemudamos nossas crenças e pontos de vista. Nossas memórias nos traem.Quase sempre.

O desejo, a motivação, os impulsos, as emoções são gatilhos para quemostremos nossa verdadeira natureza, às vezes disfarçada e escondidapelas convenções sociais. Entretanto, há momentos em que o “instinto”fala mais alto e esquecemos anos de relacionamento, uma vida toda deexemplos, as humilhações diárias, o medo do julgamento alheio, e somoslevados por nossas paixões, por aquilo que escondemos. Ou,propositalmente, deixamos que nossos sentimentos nos levem, como ocorredor que, mesmo exausto pelos quilômetros em uma maratona, seguecorrendo até a linha de chegada, movido apenas pela vontade de vencer.

O teletransporte surgiu no conto depois de ler sobre teletransportequântico e pensar que, para nossa decepção, ainda não temos sequer atecnologia ou meios de nos teletransportarmos como o fazem em StarTrek, nem mesmo com os efeitos colaterais do também clássico A Mosca.Se transportar informação é possível, então, com o tempo, quem sabe nãoserá possível transportar a consciência de alguém, como no saudososeriado Quantum Leap? E se essa consciência fosse capaz de viajaratravés das conexões entre aparelhos de celular? A viagem parecia nãoter fim. Apesar de, em um ponto de criação, perceber que, realmente,toda essa miscelânea aparentemente sem ligação poderia funcionar junta,até porque tinham pontos de contato em comum. Havia conseguido umaconexão spin entre os assuntos. E uma curiosidade, Tes é uma homenagemao cientista Nikola Tesla, um dos primeiros a pensar na Física Quântica,mesmo que muitos não saibam.

E assim surgiu “A Polícia Fantasma” Uma perseguição, mas, também, umadiscussão. Memória x Impulso. Crença x Vontade.

Por um lado, Alvarado, um cientista que se torna terrorista, atormentadopor memórias e supostas revelações que o fazem questionar seu papel nomundo, guiado por vozes que o fazem seguir uma Conspiração de um homem.Do outro, temos Franklin, um policial que não poupa esforços para fazero que precisa ser feito, custe o que custar, mesmo que para isso desafiea própria morte e aquilo que faz dele humano, mas também guiado por umavoz, que ao contrário das que falam com Alvarado, serve mais comoconsciência do policial.

Nesta delicada balança moral estão Franklin e Alvarado. Um policial e umterrorista. Ambos com seus pontos de luz e sombra. Até porque é assimque a vida funciona. Não é apenas bom e mau, claro e escuro. Dia enoite. Todos possuímos nossas motivações. O cérebro humano é capaz dejustificar tudo. Então, em termos simplistas, Alvarado é um terrorista.Mas, se nos aprofundarmos em sua psique, vemos que, na verdade, ele éuma vítima de sua própria arrogância e curiosidade, como Pandora aoabrir a Caixa. Mas acredita estar salvando o Mundo de um destino muitopior, mesmo que para isso sacrifique alguns. Franklin é um policialobstinado e com senso de justiça, mas luta contra si mesmo para nãofazer justiça com as próprias mãos. Porém, em momento algum questiona ofato de “possuir” as pessoas para levar a cabo sua missão. Ambos sãoparadoxais. Ambos são criadores e criaturas um do outro. Ambos são causae consequência de suas tragédias e dilemas pessoais.

Ao fim, percebemos que, mesmo com as maravilhas tecnológicas e osmilagres modernos, nada será mais intrincado e profundo que aquilo queguardamos dentro de nossa mente. Sejam nossas traiçoeiras memórias,sejam nossos complexos impulsos.

Author: Luciano Nascimento

Luciano Nascimento nasceu em 1977, em Niterói, Rio de Janeiro. Péssimo para falar sobre si, formou-se em Letras, pela UFES, devido a paixão pela literatura. Possui contos em antologias nos temas fantástico, sci-fi, suspense e terror. Autor do livro de sci-fi “Crônicas Estelares: Livro de Memórias”. Atualmente posta MINICONTOS em seus perfis no Instagram, Facebook e Twitter e no site da Bilbbo Stories. Reside com a esposa, Lena, e os filhos, Joaquim Henrique e Maria Valentina, em Viana - ES.

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