Minha personagem “Diva” nasceu com o intuito de integrar a antologia “Multiverso Pulp: Ópera Espacial”, da Avec Editora. Animado com a ideia de poder fazer parte de algo que leva um selo pulp, escrevi o conto “Truque na manga”. Mas em meados de abril-maio de 2019 eu ainda era um zero à esquerda em relação à ficção científica. Eu não consumia nada do gênero na literatura e raramente no audiovisual, embora já tivesse tido uma ou duas investidas bem-sucedidas como escritor no tema. Fiz uma pesquisa bem malfeita, confesso, sobre o que era “Ópera Espacial” e cheguei à conclusão de que tinha a ver com “Star Wars” e “Star Trek”. Serei rechaçado por esta minha opinião impopular, mas não gosto muito de ambas as obras, pelo menos não no nível de hype que o povo parece idolatrar. Acho isso até frustrante, porque não consigo fazer parte da conversa de amigos, e pior, acabei não tendo as referências óbvias para executar o texto que eu precisava mandar para a antologia. Mas eu o que eu tinha era a referência de um filme mais recente e foi nele que me escorei para traçar minha trama. Se não fosse “Guardiões da Galáxia”, eu provavelmente teria executado um conto péssimo. Diva não seria o que é e provavelmente eu não estaria escrevendo sobre esse texto aqui e agora.
Bem, deixe-me contar mais sobre como a personagem veio ao mundo! Sentei em frente a um processador de texto e deixei minha mente me levar. Existem autores de vários estilos: os que planejam muito, os que planejam pouco e o Diego Mendonça, que não planeja nada. Meu subconsciente guarda umas coisas malucas, eu jamais imaginaria que a Diva, Pipo e Selma estariam esperando a vez deles de ter a sua chance de brilhar. Contudo, por mais que eles fossem as estrelas da história, eu era o diretor ruim, porque o conto “Truque na Manga” não é uma Ópera Espacial! Se eu fosse categorizar com uma etiqueta correta, eu diria ser um Romance Planetário: uma fantasia-espacial em um planeta isolado, uma situação mais contida e retraída, sem grandes superpoderes e o caráter épico. “Truque na manga” é sobre uma barganha com o Diabo, e só. É uma história em que não tem porrada e pancadaria, o que é até estranho para mim, já que me especializei em histórias de aventura e praticamente só narro gente saindo no braço. Como eu não entendia muito do gênero naquele passado não tão distante, dei o texto para o Bryan Mendonça, meu primo e leitor beta. Ele leu, gostou bastante, disse que o conto estava muito legal, mas não era Ópera Espacial. Quase 5.000 palavras de texto e eu errei meu objetivo. Que feio, Diego. É como atirar com um tanque de guerra mirando um prédio e acertar a casinha que está ao lado.
No mercado editorial, se um editor diz que quer tal coisa, você entrega o que ele está pedindo. O mesmo serve para uma correção. Pode ser bobo, mas se foi dito que tal coisa está esquisita, é porque está, não adianta bancar o turrão, ninguém sai ganhando nisso, bem pelo contrário. Nesse caso, um Romance Planetário não é uma Ópera Espacial, por mais que pareça bastante. O leitor não precisa saber a diferença entre um e outro, mas um escritor que almeja escrever sobre o assunto certamente sim. Então eu parei para respirar, pensei no que eu poderia escrever, forçando novas ideias. Meu primo/leitor sugeriu vários temas interessantes para abordar.
Assim sendo, tentei de novo. Criei outro conto da Diva, de título “Verde e Vermelho”. Dessa vez situei a ação dentro de um Cruzador Espacial de Gala, para não haver erro. Batalha de nave no espaço certamente tem um quê de Ópera Espacial. Como em “Truque na manga” os Piratas da Diva estavam presos em Narzothed, achei interessante contar a história que precedia este evento e os jogava naquela lua desértica. Aprendi com os autores pulp (como Robert E. Howard, H. P. Lovecraft, Isaac Asimov, Edgar Rice Burroughs) que é possível contar a história do mesmo personagem de forma concisa e redonda, dando apenas detalhes mínimos, para assim conectar sutilmente com outras possíveis histórias que eu pudesse escrever futuramente, cada uma funcionando por si própria, independente da ordem que o leitor tivesse tido contato com a personagem. Meu primo aprovou o segundo conto da Diva e eu submeti para a Avec Editora. Fiquei muito orgulhoso de ser um dos nove selecionados. Esse texto todo até aqui foi para dizer que Diva é uma anomalia da natureza. Ela nasceu contra as probabilidades. Ela desafiou a ignorância do próprio criador e forçou o próprio caminho. Como um autor não adoraria uma personagem tão viva assim?
Animado com a aprovação de “Verde e Vermelho”, “Truque na manga” acabou ficando de lado. E não porque era ruim (é o oposto disso), mas porque não se encaixava exatamente no que pedia o edital. E eu soube reconhecer isso, acertei em não o ter submetido. Por mais legal que fosse, teria sido recusado.
Quando vi a revista Trasgo aberta para submissões, dei uma corrigida no texto e tentei a sorte. O resultado? Bem, você já sabe.
Lá por agosto de 2019 eu estava mergulhando em clássicos e mais clássicos da ficção científica. Por meses e de modo frenético minhas leituras foram todas dentro do gênero . Ou seja, o sujeito que escreveu a primeira versão de “Truque na manga” não é o mesmo que escreve este texto. Li dezenas de livros, vi filmes, animes e etc., por prazer e pela pesquisa. Não foi forçado, foi natural, e acho que é aí que vem o barato disso tudo. Antes eu dizia ser autor de horror, mas agora me considero autor de ficção científica. Além de consumir, eu produzi febrilmente contos, novelas e até um romance cyberpunk.
Diva ganhou vários contos — ainda não publicados — como haveria de ser. Na verdade, fechei um romance fix-up com ela, que se inicia em “Verde e Vermelho” e termina num conto chamado “No limiar” (isso se nenhum editor mudar o título até eu conseguir publicar). Outra coisa que eu passei a notar é que escritores de ficção científica têm pouco espaço de publicação nesse campo do fantástico. Muitas vezes o texto precisa ser camuflado como horror ou fantasia (veja meu romance publicado “O dia de Saturno”), para fazer encaixar numa antologia de editora Y ou edital X. É raro você ver uma publicação de qualidade como a Trasgo, a Mafagafo ou as edições Multiverso Pulp da Avec Editora, darem espaço para que você publique uma aventura espacial, histórias de robô ou uma crítica social dentro de uma distopia. Não à toa as revistas e editoras citadas estão sempre abarrotadas de textos e demoram a avaliar tudo o que receberam. Certamente há colegas escritores dando o seu melhor, mas se comparado ao horror ou à fantasia, estamos longe de sermos a primeira opção de uma editora. O que é uma pena. Sei que há muitos leitores por aí sedentos por muito, muito mais ficção científica.
Como eu disse, escrevi muitos contos sobre a Diva e seus piratas. Não dei muita atenção a Pipo e Selma, não consegui focar tanto neles como deveria. A capitã do trio foi o meu foco, ela é o astro do show. E acho que ela me daria uma surra e tanto se fosse diferente.
De início, quando comecei a rabiscar as primeiras páginas de “Truque na manga”, eu não sabia o que estava fazendo. Psicografei quase 5.000 palavras sem ter pista alguma onde isso ia terminar. Quando entendi a personagem ao finalizar o primeiro rascunho, percebi que eu tinha quebrado algumas convenções do que eu já entendia na época como ficção científica. Diva é uma mulher musculosa, uma She-Hulk de pele azul e esquentadinha. Na verdade, “mulher” nem seria preciso dizer, já que ela é uma zeemeeana fêmea. Pipo é o seu casinho não assumido, um zeemeeano macho bem menor que a capitã (é da natureza de Zeemee os machos serem baixinhos). E a Selma, bem… Selma é a Selma. Não fui muito longe no enredo da personagem, embora eu possa afirmar que a terrena do trio é um elo extremamente importante nos Piratas da Diva (leia o conto “Verde e Vermelho”. Se eu explicar muito, o spoiler come feio).
Ao dizer que Diva é o astro das histórias, é quase literal, porque tudo gira em torno dela. Conforme fui aprendendo sobre os diferentes elementos de uma verdadeira Ópera Espacial — impérios intergalácticos, exércitos estelares e, bem, a lista vai embora —, quis brincar bastante com isso nesse romance fix-up. Explorei vários subgêneros e ouso dizer que escrevi contos tão bons quanto “Truque na manga” (embora eu seja ultrasuspeito para afirmar isso, é pior que uma mãe chamar o filho de lindão).
Posso ficar páginas e páginas aqui dizendo o quanto Diva é legal. E ela é. O mal do escritor é se afeiçoar aos seus personagens. Há textos que escrevemos e ficamos tristes de nos despedir, é fato. No geral consigo lidar bem com isso, mas quando o personagem é muito carismático, aí a lágrima no meu olho pesa a favor das minhas criações. E a zeemeeana mexeu com os meus sentimentos. Entendo Pipo muito bem, também sou apaixonado por ela.
Comumente digo para amigos escritores que não vou participar de tal edital, porque não entendo nada do assunto proposto ou porque não tenho interesse.
Eles respondem: “Você tinha que tentar algo novo, sair da sua zona de conforto, Diego”.
Sempre dou risada.
Diva foi a minha maior saída de zona de conforto literária, botou minha vida de cabeça para baixo. Ela é uma tempestade galáctica duas vezes mais potente, está sempre na minha cabeça. Ela faz o que quer e eu gosto, peço para que me bagunce bastante.
Agora me digam: estou apaixonado ou não estou?
Parabéns pelo conto. Foi interessante ver o quanto escrevê-lo afetou sua trajetória como escritor. Sobre ficção científica, assumo que não é meu gênero favorito, no entanto acho engraçado que temos uma referência com aliens, feiticeiras intergalácticas e tentativas de conquista da terra que quase passa despercebida e a qual eu amo sem medidas: POWER RANGERS. De uns tempos pra cá revi uns episódios e narrei uma campanha de RPG sobre a série. Logo vai sair algo escrito sobre. Hahaha. Um Abração!